Capítulo 1

Mais um dia na escola e eu sinceramente não sabia qual era o objetivo de se estar ali. Cheguei ao pátio como mais um das centenas de alunos da John Kennedy High School, ao lado do meu amigo, Kevin.
- Está pronto pra mais um dia de sofrimento e dor, Ben? – Ele me perguntou assim que descemos do ônibus.
- Calma cara, é só mais um tempo. – Eu respondi ao meu amigo pessimista.

Faltava só mais um semestre para sairmos daqui direto pra a universidade e eu não via a hora de mudar de cidade, se possível até de estado. O ideal seria estudar em Harvard, mas eu nunca fui um aluno ou atleta excelente o suficiente para que eles me chamassem. Estava me esforçando muito esse último ano por que eu não queria ser mais um vendedor de carros como meu pai, mesmo que isso estivesse em seus planos. Um dia, quando visitei o seu trabalho, ele me disse, com todo aquele sentimento de pai que está deixando uma herança para o filho:

- Sabe Ben, tudo isso aqui um dia pode ser seu, é só você querer. – ele disse apontando para aquela enorme área repleta de carros, sucatas na maioria. Não, eu não queria aquilo.

Na verdade, se pudesse escolher, seria guitarrista de uma banda, ou melhor, líder da minha própria banda. Alguns anos atrás, minha mãe fez um esforço para que eu pudesse aprender a tocar um instrumento, o que foi uma das épocas mais felizes da minha vida. Bons tempos aqueles, até quando minha irmã Claire resolveu se vingar de uma coisa que ninguém sabe o que foi e quebrar minha guitarra em muitos pedaços que doeram no fundo do peito. Pensei em matar a Claire depois disso, mas vi que isso não ia me levar a lugar algum, a não ser a prisão.

No horário oposto ao colégio eu estava trabalhando numa lanchonete pra juntar uma graninha e comprar uma guitarra nova. Claro que esse dinheiro também iria para “os fundos da universidade”, como dizia minha mãe. Aliás, ela parecia ser a única pessoa que queria ver meu progresso.

Quando chegamos à sala, fiquei estático por alguns momentos. Sabe aquela garota dos sonhos? Aquela que você pensa que vai ser a mãe dos seus filhos, avó dos seus netos e parente consangüínea da maioria dos seus futuros parentes? Ela estava lá, sentada, bem na frente da sala, como sempre. Beatrice Parker. Ela estudava na minha turma desde a sétima série, quando se mudou para cá. Ela não era nada daquilo que os caras normais costumam gostar, nada do impossível. Na verdade, ela era tão natural que eu me achava um idiota de não ter coragem de chamá-la para o baile de formatura. Às vezes eu me perguntava se ela não era filha do Peter Parker com a Mary Jane, com aquele cabelo ruivo e sendo a melhor aluna da sala. E o sobrenome dela, ela só podia ser filha deles, ela devia ter algum super poder, sei lá, hipnose. Ela era tão linda...

- Sai da frente otário! – Ouvi bem de longe uma voz monstruosa falar e não entendi que era comigo até sentir o empurrão que me fez cair no chão com os livros. Todo mundo da sala riu com a minha queda. Era disso que o Kevin falava quando descemos do ônibus, “dia de sofrimento e dor”. Tentei pegar meus livros com a maior rapidez possível, me encaminhando para o canto esquerdo da sala.
- Vacilou cara, não pode ficar parado na frente da porta assim – Kevin falou na cadeira imediatamente atrás da minha, quando enfim eu me sentei.
- Eu sei, foi...
- Involuntário – Kevin falou junto comigo, como se eu dissesse isso todo tempo. - Ben, você precisa de um pouco mais de coragem, não acha?
- Olha quem fala...
- Eu sou um caso a parte. Desde quando Beatrice Parker é uma professora? Se você não chamá-la pra sair logo, vou passar na sua frente.
- Você está maluco? – perguntei, me virando pra trás com um ódio que eu não sabia de onde vinha.
- Calma cara, é brincadeira! – Kevin disse rindo, quando a professora de Educação Cívica chegou à sala.
- Cala a boca.

Kevin era um cara volúvel, cada semana ele tinha uma paixão impossível diferente. Nos últimos tempos ele estava caidinho pela nossa professora de Educação Cívica, Deborah Clark. Ela era mesmo bonita, tenho que admitir, mas ela tinha uns, sei lá, 40 anos? Ele era maluco. Eu o conhecia desde sempre, talvez, por que eu não me lembrava de nenhum momento da minha vida em que esse cara não estivesse presente. Isso era um pouco chato às vezes, por que ele acabava sabendo as coisas que eu queria esconder só de olhar pra mim. Mas ele era gente boa. Juntos nós conseguimos passar os piores anos escolares, quando Phil Stevenson nos colocou com as caras nas privadas de todo o colégio e nos bateu, além de todos os infortúnios que ele costumava provocar. Está certo que ultimamente ele não estava mais tão ligado em nos perturbar. Mas de vez em quando eu ainda tirava o Kevin de dentro do lixo ou chegava com o rosto todo machucado em casa. Isso só acontecia quando o time de basquete da escola perdia o jogo, que não era o caso nos últimos meses. Foi esse cara que me empurrou na porta hoje. Eu o detestava.

Durante o intervalo aconteceu algo que eu não esperava, não mesmo. Eu estava no refeitório com o Kevin, como de costume, e vi Beatrice entrando de mãos dadas com o maldito Phil Stevenson. Minha cara deve ter derretido. Foi o que eu senti: meu rosto derreter. Ela era tão inteligente, e linda, e perfeita pra estar com AQUELE CARA. Não era possível. Eu não conseguia acreditar.

- Ben tira essa cara... Ben, para de olhar pra eles... Ben, ele está vindo pra cá... Ben! – Só ouvia a voz desesperada de Kevin ficando cada vez mais alta. Parecia que eu ia vomitar a qualquer momento.
- Tá olhando o que panaca? – Aquele brutamonte disse olhando pra minha cara abestalhada na mesa. Eu não conseguia responder. Eu sequer conseguia pensar. – Vai falar alguma coisa ou prefere levar um soco?
- Phil, por favor, pára com isso. – Aquela voz doce como um anjo falava em minha defesa, e eu não pude esconder o sorriso que surgia no canto dos lábios.
- Calma, não precisamos brigar, não é verdade? – Kevin dizia claramente nervoso.
- Não estou falando com você otário, cala a boca. – Phil disse ao Kevin. – Então Smith? Vai ficar aí sem resposta? Da próxima vez que eu entrar aqui nesse refeitório, não quero ver sua cara nojenta olhando pra mim, está entendendo? Ou chuto seu traseiro fedido pra fora do estado. Vamos gata – Ele falou com a minha Beatrice. Minha? Não sabia nem se ela era dela mesma.

Daí por diante, meu dia foi horrível. Não consegui prestar atenção nas aulas seguintes, não me concentrei no trabalho. Bem que eu podia encontrar um gênio da lâmpada. Seria o ideal. Se eu tivesse só um desejo as coisas seriam muito, muito diferentes. Talvez eu pudesse ser o melhor amigo dela, ou mais do que isso. Ah, eu era um idiota mesmo.

Fui pra casa como o mais desiludido dos homens. Entrei em silêncio em casa. Não queria falar com ninguém, não queria comer nada, não sabia nem se eu queria chorar. Talvez não.

- Ben? É você? – Ouvi minha mãe falar da cozinha e fui subindo as escadas sem responder – Ben, o jantar está pronto, não vai jantar conosco? – Ela veio em direção à sala. Eu não queria nem tomar banho.
- Não mãe, não estou me sentindo muito bem – Disse, andando para o quarto.
Entrei, tirei os sapatos e me joguei na cama.

Comecei a lembrar da primeira vez em que falei com Beatrice. Precisei de duas semanas pra me preparar pra isso. Ela era uma menina de cabelos ruivos e pele perfeitamente branca. Foi a primeira ruiva sem sardas que eu conheci na minha vida. E a menina mais linda que eu já tinha visto também. Então um dia eu tomei coragem e falei com ela. Ela estava andando no corredor em direção à quadra de esportes e eu comecei a acompanhar seus passos. Comecei a pensar se ela acharia que eu era um psicopata, algo parecido com isso. Então resolvi falar:

- Olá Beatrice, sou Ben Smith. – Minha mão estava tão suada. Enxuguei na calça antes de oferecer para que ela apertasse. Esperei que ela não notasse. Ela apertou minha mão. Eu senti uma estranha sensação de arrepio quando ela tocou a minha mão.
- É um prazer conhecê-lo Ben – Era a voz mais doce que eu já ouvi também. Tentei não ficar calado, admirando aquela beleza.
- Estou na sua turma, se é que você não notou. – Droga, fui um pedante – Não... Não desse jeito. – Tentei consertar – Não que eu seja uma pessoa muito perceptível... Que eu chame atenção... Talvez eu não chame nem um pouco de atenção então você nem deve ter me notado e por isso vim me apresentar. Sabe, você é aluna nova e... É isso. – Desisti de conversar com ela. Se eu continuasse falando, só sairiam mais besteiras da minha boca. – Foi um prazer conhecê-la Beatrice. – Beatrice... Será que fui muito ousado? Mais uma besteira. Talvez devesse ser mais respeitoso. Eu não sabia como as pessoas se tratavam lá de onde ela veio. – Ou deveria chamá-la de Senhorita Parker? Não quero ser desrespeitoso. – Ela sorriu.
- Pode me chamar como quiser Ben. – E continuou sorrindo. Eu fiquei paralisado. Não sabia se ficava ali ou corria. Ela encontrou uma amiga e se despediu.

Depois disso eu demorei quase quatro anos pra falar com ela de novo. Eu era mesmo um covarde. Pensar naquilo me deu uma tristeza... Que bom que o dia seguinte era sábado. Parecia que Kevin havia feito uma profecia. “Pronto pra mais um dia de sofrimento e dor?” Não, eu não estava pronto. Por que ela estava com ele? Ele não daria nada de bom pra ela, ele não poderia fazê-la feliz como eu, ele não amava aquela garota metade do que eu amava. A dor era tão forte que parecia que eu ia desmaiar a qualquer momento. Fechei os olhos e só ouvi aquela voz doce me dizer alguma coisa que eu não conseguia entender.

Comentários

  1. Me orgulho de você, Rach. Escreve no mínimo umas cinco vezes melhor que eu.

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  2. Nunca achei que teria uma filha escritora!!!
    Se editar, com certeza fará um grande sucesso!!!
    Tenho uma escritora em casa, que bom!
    Parabéns filha pela sua imaginação e graça.
    Te amo!

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  3. muito bom, Raquel!
    é um livro empolgante!!!

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  4. Achei muito bom , muuuuuito msm!! Olha que eu to so no capitulo 1 ! Parabens !

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