Capítulo 3

Je t’aime...

Je t’aime...

Isso parecia francês. Beatrice dizia isso olhando para mim com desespero. Eu comecei a ficar nervoso.

- Qual o problema Beatrice? O que é que eu faço? – Meu Deus, por que eu não tinha prestado atenção nas malditas aulas de francês? Je t’aime... Je t’aime... Isso queria dizer... Eu te amo? Foi bom Kevin ter sido apaixonado pela professora Michelle, de francês. Pelo menos isso eu sabia.
- Je t’aime – Ela me disse com os olhos cheios de lágrimas, querendo se fazer entender.
- Eu também te amo Beatrice – Tinha esperado até ali para dizer isso, mas o ambiente parecia muito irreal pra que tudo aquilo fosse verdade.

Beatrice começou a se afastar lentamente de mim, repetindo sua frase em francês, enquanto eu gritava e tentava me aproximar dela, sem conseguir me mover. Senti uma vontade amarga de chorar.

Acordei na manhã seguinte com uma terrível dor de cabeça. Antes eu não tivesse acordado. Antes eu tivesse morrido.

- Ben, você não vai para a natação? – Minha mãe perguntava na porta. – Já são quase oito da manhã garoto.
- Desculpa mãe, perdi o horário – resolvi mentir sobre meu estado de espírito.
- Está melhor? Não quis jantar conosco ontem...
- Estou bem, vou tomar um banho. – Esbocei um sorriso que esperava ser convincente o suficiente pra que ela não perguntasse mais nada. Pareceu funcionar.
- Estou indo para o trabalho, cuidado para não perder o horário.

Eu não queria mesmo ir para a natação. Mas meus treinos se resumiam aos sábados e, por mais que eu não fosse o melhor, a água sempre me deixava bem. Era uma forma de extravasar, o que eu precisava fazer. Incrível o que uma garota podia fazer com a cabeça de alguém.

Nadei quase duas horas com um ódio que deve ter funcionado bem. O treinador me elogiou, coisa que nunca tinha acontecido. Saí da piscina muito mais relaxado.

Fui andando pra casa e passei pela porta de uma loja de instrumentos musicais. Por impulso, entrei. No alto de uma parede estava uma Gibson Les Paul Classic preta. Eu fiquei um tempo olhando pra ela.

- Então garoto, vai comprar ou vai ficar olhando? – Um cara gordo, quase todo tatuado, me perguntou.
- Estou juntando uma grana pra isso.
- 2000 dólares.
- Vocês não podem fazer por 1800?
- Qual é garoto? Isso é uma Gibson! Não é qualquer porcaria que você acha na esquina! Ou 2000 pratas ou nada.

Eu fiquei em silêncio e sai da loja. Só daqui a dez anos eu poderia comprar uma daquelas. Então, resolvi falar com meu pai. Fui até a loja de carros.

- E aí Ben? – Richard, o sócio do meu pai, me viu chegar – Fazendo uma visita?
- É, vim falar com meu pai. Ele está aí?
- Claro garoto. Só um minuto. – Ele se virou para o escritório – Harry! Vem aqui atender o seu garoto!

Meu pai chegou, muito surpreso com a minha presença lá.

- Ben? Algum problema? – Ele perguntou
- Não pai, queria conversar com você.
- Então, pode falar.
- É uma coisa séria, uma conversa de homem pra homem. – Disse, olhando pra meu pai muito determinado.
- Tudo bem... – Ele suspirou – Vamos para o escritório.

Fui andando imediatamente atrás dele, como sempre. Ele se sentou comigo no escritório e já começou falando.

- Ben, você só tem 17 anos. O que foi que você fez dessa vez? – Ele falou como se eu vivesse aprontando.
- Pai, eu não fiz nada.
- Meu Deus! Ben, não me diga que eu vou ser avô! – Ele disse, muito nervoso, me encarando.
- Pai? Você está ficando maluco?
- Então, por que todo esse papo de “homem pra homem” e conversa em particular?
- Bem, eu... – comecei a suar, pensando em pedir o empréstimo pra comprar a minha guitarra. Será que ele aceitaria minha proposta? Respirei fundo. – Eu estava pensando... Eu estava pensando em comprar uma guitarra.
- Ah garoto! Você vem aqui no meu trabalho falar sobre isso?
- Pai, eu tenho me esforçado muito na escola, eu estou trabalhando, eu não dou trabalho a vocês. Eu não quero que você me compre a guitarra. É só... É só um empréstimo. Eu quero um empréstimo pra comprar a guitarra.
- E como você vai me pagar isso?
- Eu tenho uma grana guardada, eu só quero que você complemente. Depois, o que eu estava guardando vai direto para você. Por favor, pai.
- Vou pensar no seu caso Ben. Vou falar com a sua mãe, vou ver o que ela pensa disso. Sua última guitarra nós sabemos bem o fim.
- Mas pai, a culpa não foi minha!
- Sim, e quem garante que a Claire não vai repetir o que ela fez? – Eu não podia garantir nada sobre a Claire - E onde você vai tocar esse negócio?
- Não sei pai, na garagem talvez. Você... – Resolvi apelar – Você nunca quis muito uma coisa?
- Está bem garoto, já disse, vou pensar no seu caso. Quanto você quer mesmo?
- Humm... 1500 – falei baixo, pensando no sonoro “não” que eu ia ouvir
- Quanto? – Ele perguntou, como quem não tinha ouvido.
- 1500 dólares.
- Quantas guitarras você quer comprar?
- Pai, é uma Gibson Les Paul Classic, não é qualquer guitarra.
- Garoto de bom gosto – ele refletiu – Quanto você tem?
- 500 paus.
- Está bem, ok, ok, vou falar com sua mãe primeiro. Agora, vai pra casa e me deixa trabalhar.

Sai de lá com um sorriso querendo surgir no rosto. Com aquela conversa, já sabia que o empréstimo tava feito. Ele ia falar com a minha mãe, a única pessoa que queria mesmo me ver feliz. É, eu ia comprar a minha guitarra. Parecia que, enfim, as coisas estavam ficando boas pra mim.

Comentários

  1. Tô me surpreendendo cada vez mais... Gibson Les Paul Classic? Moça entendida do ramo das guitarras, você, hein?

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  2. Minha filha, vc tá cada vez melhor nisto!

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