Capítulo 14

Beatrice parecia não entender que eu precisava me manter afastado dela pra que minha vida seguisse adiante, por mais que eu não quisesse. Ela tinha escrito novamente.

Ben, por favor, não faça isso. Eu não quero ficar longe, só não posso falar com você pessoalmente. Phil vai ficar com ciúmes. Eu não quero que ele seja rude com você. Responda

Beatrice


E eu não conseguia entender por que ela insistia tanto em me fazer saber que ela estava preocupada com Phil, que o amava. Eu não estava perguntando isso, eu não queria saber nada relacionado a eles dois. Eu já estava me conformando que nunca teria Beatrice. Por que ela precisava ficar me magoando daquele jeito? "Eu amo o Phil, não é uma troca, mas uma escolha quase obrigatória", "Phil vai ficar com ciúmes. Eu não quero que ele seja rude com você". Eu não estava nem aí pra ele. E desejava muito não me importar com ela também. E por que ela insistia tanto que eu respondesse? Não queria que ela tivesse pena de mim, queria que ela me amasse. Não respondi.

Passou uma semana e ela escreveu uma outra vez. Eu já não estava mais aguentando aqueles bilhetes.

Por que você não escreve de volta? Não precisamos ser inimigos. Por favor, entenda que Phil não iria gostar se eu falasse com você. Espero que responda

Raciocinei nas palavras dos três bilhetes de Beatrice. As coisas começaram a se encaixar. Semanas atrás ela falava comigo normalmente, nem se importava com a forma que Phil reagia a isso. Aí, do nada, ela pára de falar comigo e justifica que Phil ficaria com ciúmes. Provavelmente Beatrice queria mesmo ser minha amiga, mas aquele idiota devia ter feito alguma chantagem com ela, sei lá, e se ela gostava mesmo dele iria aceitar. Eu tinha dois problemas: não queria ser a causa da infelicidade dela e não podia enfrentá-lo se ela gostava mesmo dele. E ela não devia ficar se culpando por isso, tentando consertar as coisas com bilhetes, mesmo que eu estivesse magoado por ela não preferir ficar comigo. Então, comecei a escrever a resposta, que foi incisiva.

Por favor Beatrice, não me escreva mais.
Ela ficaria triste, mas acabaria com aquela situação ridícula. Eu não era tão importante assim.
Se não pode falar comigo pessoalmente, não se esconda em papéis.
De qualquer modo, ela precisava saber que eu estava magoado com o que ela tinha feito.
Eu vou me mudar pra Los Angeles em breve, não tem por que se preocupar com isso.
Eu pensava que era uma forma de fazê-la não se sentir culpada pelo que estava acontecendo. E por fim, deixei claro que ela não tinha que decidir, se ela gostava mesmo dele.
Fique com seu namorado, é o melhor que você faz.

Dobrei o papel e coloquei em seu armário do jeito mais furtivo que pude. Esperava que ela entendesse. Me esforcei pra não parecer digno de pena e não motivá-la a escrever de novo. Eu não estava tão bem como quando voltei de Los Angeles, depois que Ellie me fez ter outro ponto de vista sobre as coisas. Voltaria para lá no verão, talvez Ellie fosse meu destino. E não era um destino ruim.

O tempo foi passando. Beatrice parecia bem, feliz. Sempre acompanhada pelo namorado, cada vez mais distante. Faltando poucas semanas para a formatura, Kevin me lembrou de algo que eu havia me esquecido fazia tempo: precisava convidar alguém pra me acompanhar na formatura, ainda que eu só conseguisse pensar nela. Que já tinha companhia.

- Quem você vai chamar? - Kevin perguntou numa de nossas conversas no intervalo.
- Eu não sei, estou pensando em não ir, não sei dançar, não sou um bom par pra ninguém.
- Ah cara, sei bem qual é a sua. Você está todo dolorido com os knockouts que Beatrice te deu. O juiz está contando os segundos, você vai ou não levantar? - Mesmo que eu não fosse o maior fã de boxe, o que Kevin disse fez bastante sentido. - Se não for à formatura, vai perder a luta.
- Com quem você vai? - Perguntei.
- Convidei Rebecca Collins, da outra turma.
- Que bom que você tem companhia. - falei, totalmente desanimado.
- Não espere que Beatrice esteja desacompanhada. Numa escala de zero a dez de coisas impossíveis, essa é onze. Por que não chama a irmã gêmea de Rebecca?
- Rachel Collins?
- Sim. Rebecca me contou que ela está um pouco aborrecida por que James Hall convidou uma das líderes de torcida e está quase desistindo de ir para a formatura, assim como você.
- Não sei.
- Qual é a sua Ben? Vai ficar deitado no chão esperando a luta acabar e você perder?
- Dá pra parar de comparar isso à boxe?
- É uma boa comparação - Kevin disse e eu tive que concordar. - Eu vou com Rebecca e você vai com ela! Vamos quase combinando, o que acha?
- Que isso é meio gay. Combinando? - perguntei, melhorando meu humor. Eu ri e Kevin fez uma cara feia.
- Já dei a minha sugestão. E meio gay é você, está ouvindo? - Kevin respondeu

Eu decidi que chamaria Rachel Collins para a formatura. Falei com ela assim que pude, o problema foi saber o que dizer. A aula de educação física da outra turma era antes da nossa, então quando estava chegando na quadra Rachel vinha saindo.

- Oi Rachel! - Eu falei, tentando ser animado com ela.
- Oi! Você é Ben Smith, certo? - ela me perguntou. - Me lembro de você. Sempre te vejo pelo corredor. - Legal, parecia que ela tinha o mesmo costume que eu de observar as pessoas.
- Que bom, pelo menos não vai ser tão estranho falar isso com você.
- O quê? - Ela pareceu surpresa.
- Bem, eu soube que você está sem companhia para o baile, então...
- Ah, que legal. Estou muito emocionada por você saber disso também - Ela falou sarcástica - Kevin falou com você não foi? Rebecca realmente me cansa, já disse a ela que não vou pra o baile. Mas que apelo.
- De qualquer forma, eu também não vou se não tiver com quem ir. E aí, quer ir comigo?
- Não sei não Ben, estava decidida a fazer uma greve. Vou pensar e a gente se fala no fim das aulas, pode ser? Tenho que ir pra a sala agora.
- Ok.
- Tchau!

Engraçado, ela não parecia nem um pouco aborrecida por não ter sido convidada por James Hall. Queria ser assim também.

No fim das aulas, procurei Rachel pra confirmar se iríamos juntos ou não.

- Ben, o que eu vou ganhar com isso? - Ela me perguntou quando fui saber se ela ia comigo.
- Eu, realmente, não sei - Não esperava aquela reação dela.
- Humm... Legal, você não sabe o que eu vou ganhar em troca... Ah, o que é que eu quero? Eu sou uma das poucas garotas que não tem par, um cara bonitinho que nem você vem me chamar e eu fico procurando dificuldades? Espera, né?
- Huh? - Rachel falava tão depressa que parecia que não conseguia coordenar o pensamento e a fala. Eu quase não entendi o que ela disse.
- Não Ben, é o seguinte. Eu fiquei esperando aquele idiota do James me chamar pra o baile e ele convidou outra garota! Mas, você não tem a ver com isso. Se bem que você já deve saber, Kevin sempre consegue descobrir as coisas. Mas, não importa. Eu vou com você, é o que interessa.
- Vai comigo? - Perguntei, ainda confuso com ela.
- É uma questão de troca de favores. Eu já sei que você queria convidar a Beatrice, tal, e eu queria que o James me chamasse. Provavelmente eu e você ficaríamos em greve do baile, então Kevin e Rebecca, como pessoas legais que são, resolveram que a gente não devia ficar em casa enquanto eles curtiam! Muito inteligentes. Boa, ainda vou fazer uma coisa legal que nem essa.
- Entendi, é verdade - Rachel fazia as coisas terem uma lógica irrefutável. Ou pelo menos isso foi assim.
- Então, vou com você. Pode me buscar em casa ou eu vou ter que te buscar? Não tenho problema com isso, podemos ir os quatro juntos.
- Daqui até lá a gente combina.

Nesse momentos eu lamentava não ter um carro. Podia muito bem buscá-la em casa se tivesse um. Mas tudo bem, eu já estava devendo a guitarra.

Nas semanas seguintes eu me preocupei em ajudar o Kevin a escolher um bom smoking. Diferente de mim, ele queria alguma coisa diferente pra vestir, sair um pouco dos padrões. Depois da minha insistência ele resolveu que usaria uma roupa preta comum, mas queria um paletó estilo pinguim, com o fundo longo. Eu desisti de fazê-lo ser normal e deixei que ele comprasse o que queria.

Eu tinha em casa um smoking que ficava guardado pra ocasiões especiais. Na verdade, foi pra o enterro do meu avô, eu nem sabia se ainda dava em mim, por que ele tinha sido comprado há quase um ano. Pra meu azar, as calças estavam curtas. Meu pai descolou um conjunto completo de paletó, calça, camisa, gravata e sapatos, tudo novinho em folha. Provavelmente por que minha mãe ficou enchendo ele, dizendo que eu não devia me formar parecendo um mendigo.

- Fica me devendo mais essa pra quando você se tornar advogado. - Foi o que ele disse quando me entregou tudo, não sabendo que eu vou ser músico. Espero que ele não se engane de que eu vou seguir a carreira jurídica.

Faltando uma semana, me preocupei com o transporte. Com todo o jeito, pedi o carro do meu pai emprestado pra buscar Rachel em casa. Não era legal ir à pé pra lá.

- E desde quando você dirige garoto? - Ele perguntou.
- Pai, eu tirei a habilitação no ano passado, não se lembra? - eu me assustava com essa falta de memória dele.
- Harry, ele não vai sofrer um acidente pra ir ali na esquina. - Minha mãe disse
- Será? - Claire perguntou, sempre ácida.
- Cala a boca Claire! - Eu falei com ela. O mal da minha família era que todos se metiam em tudo.
- Então, o que pensa de comprar um C4 Pallas? - Meu pai perguntou
- Pai, eu trabalho com você, conheço bem aqueles carros. Você quer que eu fique te devendo a vida toda, certo? Sinto muito, eu sou seu filho, não seu cliente.
- Harry, eu acho que você já poderia ter dado um carro pra ele, desde o ano passado. - Minha mãe falou. - Afinal, ele vai precisar de um carro pra rodar em Los Angeles.
- Liz, você sempre pensa em muitas coisas para o Ben. Sua sorte é que ele não ficou um garoto mimado, ou drogado maluco.
- Gente, isso não vem ao caso. - Eu falei, pra apaziguar a situação - Só quero saber se pode me emprestar o carro, ou não.
- Bem... - eu sabia o quanto meu pai era apegado àquele Ford Bronco 1996 e como seria difícl ele liberar o carro.
- Seu pai vai te dar um carro! - Minha mãe disse, e eu fiquei completamente supreso.
- Você não precisava falar sobre isso agora Liz, podia ser uma surpresa.
- É incrível como Ben sempre ganha os presentes mais legais. - Claire disse.
- Querida, você só tem 12 anos! Pra quê você quer um carro?
- Hey Ben, quero que vá ao escritório amanhã depois do seu serviço, pra definirmos como isso vai ficar.

Eu não sabia direito o que ele queria comigo, mas sabia que tinha a ver com o carro. Só não entendia por que ele resolveu fazer isso.

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