Capítulo 15

No dia seguinte, depois do trabalho, dei uma passada no escritório do meu pai pra entender por que, enfim, ele tinha resolvido me dar um carro. Tudo bem, era uma boa coisa, mas era estranho.

- Bom que você foi pontual garoto - Meu pai disse quando me viu na porta.
- Então pai, o que quer falar comigo? - eu estava começando a ficar ansioso.
- Você gosta do meu carro? - Ele perguntou isso e eu assumo que fiquei com medo do que vinha a seguir.
- Ele é... útil. É, legal. - De certo modo, eu achava que aquele carro era muito imponente. Fiquei pensando na caminhonete preta estacionada lá fora. - É, um bom carro.
- Não se iluda, não vai ser o seu carro. - Parecia que meu pai se sentia feliz de me ver criar esperanças e perdê-las no mesmo segundo.
- Ah, interessante. Por que falou dele mesmo?
- Quero que entenda que eu demorei um bom tempo pra consegui-lo. Foi preciso bastante trabalho.
- Humm... - Ainda não tinha entendido onde ele queria chegar.
- Eu já sei que você não quer cuidar disso tudo que está aí fora. Eu sei que seu plano é outro. Você quer ser músico, não é?
- É, penso nisso.
- Está num bom caminho, você tem talento. - Eu achava um pouco estranho quando ele dava esses surtos e começava a me elogiar. - Mas está me cansando de tanto repetir as músicas, precisa de um novo repertório. Que tal Beatles? - Ele perguntou e sorriu. Eu ri com ele.
- Mas, pai, o que isso tem a ver com o carro? - Perguntei, já ficando impaciente.
- Você tem sido um bom garoto. Achei digna de elogio sua atitude de vir trabalhar aqui comigo, mesmo que não fosse o que você mais queria, pra pagar a guitarra. Sabe, queria ter sido como você no passado. Muitas coisas seriam diferentes. - Ele parou um pouco - Isso não vem ao caso. Estou muito orgulhoso de você ter sido convocado para as universidades de Los Angeles e de não jogar essa oportunidade fora. E acho que você tem aptidão pra vendas, mesmo que você não pense assim. Foi o novato mais produtivo que tivemos, e não é por que é meu filho, Richard comentou isso. Então, pensei que poderia te dar um presente útil, como uma recompensa pelo seu trabalho.
- Legal. Obrigado - eu estava sem saber o que dizer direito.
- Vamos lá fora pra ver se você gosta do carro.

Fui seguindo meu pai pelo pátio da loja, até que ele se encostou num Nissan Altima azul, de tirar o folêgo. Parei um tempo pensando se ele não ia dizer que meu carro era aquele Camaro verde ao lado do Altima. Comecei a me consolar, pensando que ele não era tão velho assim, devia ser 1968, a pintura estava um pouquinho gasta, mas se eu descobrisse onde a Ellie ajeitou o carro dela podia ir por lá...

- Gostou do carro? - Meu pai perguntou. - É um seminovo, mas está bem conservado. - Pensei se o Camaro não se encaixava na categoria usados e não seminovos.
- É, um bom carro - disse, pensando que era melhor do que ficar a pé. Caminhei até o Camaro, dei uma conferida nos faróis.
- Eu te dou um carro desses e você diz "é, um bom carro"? - Meu pai falou, parecendo ofendido com minha reação. Pensei se aquele Camaro não tinha sido dele.
- Não pai, eu gostei. Posso ver por dentro? - Disse, tentando enxergar alguma coisa por dentro do Camaro.
- Está bem garoto. - Meu pai apertou o botão do alarme e o Altima deu uma piscada nos faróis.
- O quê? Não é... Não é o Camaro? - Eu estava pasmo.
- Eu entendo que o Camaro é um clássico mas, você não prefere o Altima? - Ele sorriu e abriu a porta do carro. - Pode olhar.
- Pai... Eu... Eu não sei o que dizer. - Olhei para o reluzente Altima com a porta aberta. Como não fazia há um bom tempo, dei um abraço forte no meu pei. - Obrigado. Obrigado. Obrigado mesmo.
- Não acredito que você pensou que eu te daria o Camaro! Garoto, você me surpreende às vezes. É um modelo 2008, coupé, comprei a preço de fábrica. Se meu pai me desse um desses um dia... Pode me soltar agora? - Ele perguntou, já acanhado com o meu abraço.
- Valeu mesmo pai, foi o melhor presente que já me deu. - Disse, voltando totalmente minha atenção pra o carro.
- Cuide dele até poder comprar outro, está entendendo? Já pode sair com ele daqui, se quiser.

Pedi a chave ao meu pai e liguei o motor, só pra ouvir o barulho. Potente e macio. Era excelente. Meu pai me surpreendeu com essa. Quando mostrei o carro ao Kevin ele ficou com a cara no chão. Guardei o carro com o maior cuidado do mundo pra começar a usar no dia da formatura. Era bom que a nossa garagem tivesse espaço de sobra.

Teve toda a cerimônia de Esmeralda Chain e, se nenhuma novidade, Beatrice foi a melhor aluna da turma. Depois que os vinte melhores alunos do primeiro ano entraram com as túnicas brancas e os medalhões de ouro, nós fomos chamados. Eu fui logo depois de Beatrice, que ficou muito bem com a beca.

À noite fui buscar Rachel em casa. Eu não estava mesmo muito afim de ir pra aquela festa, vesti minha roupa e nem penteei o cabelo direito. Aquela festa marcava o ínicio da minha liberdade, meu retorno a Los Angeles. Eu deveria ficar feliz, mas não conseguia não pensar que não veria Beatrice tão cedo. Talvez, quando a visse de novo, ela estaria casada com Phil e com três filhos, vivendo uma pacata vidinha de professora de matemática em La Palma. E, se eu tivesse filhos e voltasse pra cá, ela seria professora deles. E nos encontraríamos na reunião de pais e mestres. Isso era o que estava mais próximo de acontecer. Doía pensar nisso.

Peguei o carro na garagem, totalmente emocionado de rodar por La Palma com aquela máquina. Enfim um ponto positivo de meu pai vender carros. Cheguei na casa de Rachel, toquei a campanhia e a mãe delas abriu a porta e me cumprimentou.

- Boa noite Senhora Collins. É um prazer conhecê-la - Disse, assim que a vi.
- O prazer é todo meu. Ben Smith, não é? Me lembro de você bem pequeno. Eu e sua mãe fomos do mesmo clube de leitura uns anos atrás. Estudei junto com ela e seu pai. - Esse era o problema de morar numa cidade pequena. As pessoas se conheciam há décadas. - Entre Ben. Quer um refresco? - Entrei na sala.
- Não senhora, muito obrigado.
- Tudo bem. Você está enorme. Quantos anos tem? 17?
- Sim, senhora.
- Sente-se no sofá, vou apressar as garotas.
- Então, você é o filho do Harry, não é rapaz? - O pai das garotas, sentado numa poltrona no canto da sala, falou comigo. Ele se levantou. - Prazer, sou John Collins, pai da Rachel e da Rebecca. Conheço seu pai do tênis.
- É um prazer senhor Collins.
- Espero que seja um rapaz responsável. - Ele disse, me olhando sério.
- Pai, Ben não é meu namorado, não precisa assustá-lo. - Rachel estava sentada no sofá, observando a conversa. - Rebecca, os garotos chegaram, dá pra você adiantar? - Ela disse quando me viu.
- Rachel, eu vim com o meu carro, Kevin vai passar aqui depois. - Falei
- Seu carro? Legal. Então, tchau mãe, tchau pai, tchau Rebecca, te vejo mais tarde. Vamos Ben?
- Tchau Senhor e Senhora Collins, foi um prazer conhecê-los.

Fui andando com Rachel até o lado de fora de casa, onde meu carro estava estacionado. Rachel viu o Altima e parou um tempo.

- Esse é o seu carro? - Ela perguntou.
- Sim.
- Ben, é um Nissan Altima? Oh, Deus. Sempre quis ter um desses.

Abri a porta para Rachel e no caminho da casa dela até a escola, fomos falando sobre carros. Ela gostava de carros, isso era engraçado. Ficou super empolgada de andar no meu. Ainda perguntou por que eu não penteei o cabelo, mas disse que era "um bom estilo". Rachel estava com um vestido lilás muito bonito, que ficou bem nela. Eu não estava mal acompanhado, mas sabia que aquela produção toda era para James. Mesmo que ela não estivesse com ele.

O baile foi na quadra da escola. Kevin e Rebecca chegaram logo depois de nós. A festa foi passando e, mesmo que Rachel insistisse para que eu dançasse com ela, deixei que ela fosse com James, que nem deu atenção à garota que estava com ele. Rebecca também estava muito bonita e foi escolhida rainha do baile, junto com Phil. Rachel foi conversar com James e eu fiquei encostado numa pilastra no fundo do salão.

Virei inconsciente para o lado e, do nada, Beatrice veio andando na minha direção. Eu não sabia se ficava feliz ou com raiva. Nem sabia de onde ela vinha e se estava mesmo indo falar comigo. Beatrice estava mais bonita do que sempre. Usava um vestido verde longo, com um decote em V... Era uma coisa que eu realmente não esperava ver. O cabelo ruivo meio solto caia sobre os ombros e ela vinha andando devagar, me encarando. Me perguntei se não era algum tipo de alucinação.

- Oi Ben - Ela disse assim que chegou e eu senti minhas pernas tremerem.
- Oi Beatrice - A raiva por ela demorar tanto de lembrar da minha existência veio à tona no tom da minha voz.
- Preciso falar com você, pode vir comigo? - Ela me perguntou, séria. Por essa eu não esperava.
- Está bem - Eu queria dizer "não", mas eu não pensava muito nas respostas logo que ela chegava.

Fomos caminhando até o lado de fora da quadra.

- Me desculpe Ben, não aguento mais isso. - Ela disse, parando um pouco distante da saída da quadra. O lugar onde ficamos não era muito bem iluminado, era perto de um jardim, supus que ela estava se escondendo de algum amigo do namorado. Isso era ridículo.
- Não aguenta? O quê? - Perguntei, sem entender o que ela queria dizer.
- Ficar longe. Não aguento mais. - Ela falou me encarando
- Foi uma escolha sua Beatrice, eu respeitei. - Olhei para o outro lado quando disse isso.
- Então, quer dizer que você vai para Los Angeles. - Ela falou, tentando mudar de assunto - É uma coisa permanente?
- Vou morar em Los Angeles.
- Você não pode ir agora.
- Por que? - Quanto mais ela falava, mais eu ficava em dúvida do que estava acontecendo ali.
- Estou apaixonada por você. - Eu fiquei mudo. Devo ter ficado pálido também. Eu não entendia por que ela estava fazendo aquilo. Não conseguia acreditar.
- Beatrice, eu não acredito. Por que você está com Phil então?
- Não quero que ele te machuque.
- Não quer que ele me machuque? Você está me machucando mais do que ele poderia, muito mais. Eu sei Beatrice, você deve estar com pena de mim. Mas eu não quero que você sinta pena. Não precisa fazer isso por pena. Eu já falei, pode ficar com ele, vou superar.
- Superar?
- Beatrice, todos sabem que eu... - respirei fundo - eu te amo desde que eu te conheci. Você não precisa fazer isso por pena. - Beatrice me abraçou. Eu tinha sonhado com isso por tanto tempo que a representação dela estava se tornando realista. Ela levantou o rosto e nós íamos nos beijar, quando eu caí em mim e me afastei. Aquilo não passava de ilusão. Ela nunca iria gostar de mim de verdade, ela estava com Phil.
- Ben... - Ela falou, parecendo entristecida pela minha atitude. Eu não ia acreditar naquilo.
- Eu esperei muito tempo por isso. Mas eu, simplesmente, detesto beijos de despedida.

Voltei para a quadra e deixei Beatrice sozinha. Se ela gostasse mesmo de mim, teria me escolhido. Dentro da quadra começou a tocar uma musiquinha romântica, "You give me something" de James Morrison. Aquela música não contribuía em nada para o que eu estava sentindo. Procurei por Rachel para avisar que ia embora e encontrei-a dançando com James Hall, muito feliz por sinal. Aliás, todo mundo parecia muito feliz por ali. Kevin estava dançando também, com Rebecca, eu dei um jeito de separá-los e pedi ao Kevin para falar com Rachel que eu estava indo embora. Estava totalmente transtornado. A festa não era o lugar certo pra mim naquela hora.

Entrei no meu carro, dei a partida e fui embora da escola satisfeito por não ter que voltar mais. Esperava ter feito a coisa certa.

Comentários

  1. Quero mais!!!
    Vc tá deixando a gente louco de curiosidade!
    Vou deixar vc usar o PC por mais tempo, contanto que escreva mais rápido os capítulos. kkkkkkk....

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  2. Humm... Boa proposta... (Muahahahahaha)

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  3. *respira* Onde vc aprendeu a escrever assim? rsrs Tá ótimo, mas quando vc for postar, me manda uma msg no twitter, oks?

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