Capítulo 17

Cheguei em casa e minha mãe percebeu minha frustração. Ela ficou perguntando o que tinha acontecido, mas eu não pensei nem em responder. Subi as escadas tirando a gravata que me apertava o pescoço e os malditos sapatos que me castigavam os pés. Tomei um banho pra tentar relaxar e dormir. Mas, enquanto tentava pegar no sono, palavras surgiam na minha cabeça e eu peguei um caderno pra escrever. Comecei a compor uma música.

First time I saw you I knew you would be mine but then the fear shut my mouth and now we're in worlds apart... Aquela canção era sobre Beatrice. O que escreveria depois dali? Continuei tentando.

Quando estava no meio da letra, quase meia noite, meu celular tocou. Era Beatrice. O que ela ainda queria falar comigo? Ela não tinha nada para falar. Ignorei a ligação, mas estava me desconcentrando, então desliguei o celular. Só liguei quando vi que ela não ia mais tentar.

Fiquei a madrugada toda escrevendo e peguei no sono por cima dos papéis. No dia seguinte, acordei ao som de uma música do Guns n'Roses, o toque do meu celular. Dei uma checada pra ver onde estavam as pessoas da minha família. Meu pai estava na parte de fora da casa, Claire em seu quarto e deduzi que minha mãe estava na cozinha. O cheiro da comida vinha até o quarto.

- Alô? - eu acordei tonto com o telefone tocando.
- Ben! Ben! - era o Kevin, me ligando desesperado. - O Phil!
- O que é que tem o Phil? - depois da conversa com a Beatrice no baile, eu não queria nem ouvir falar naquele troglodita.
- Ele tá fora de combate, Ben. Knock-out!
- Hã? Como assim? - eu estava completamente desorientado àquela altura.
- Depois do baile, ontem à noite, ele voltou à escola quando você havia saído, te procurando. Eu disse que você não estava mais lá, e ele disse que ia em sua casa. Ele pegou o carro, saiu dirigindo a toda, e bateu de frente num caminhão.

Naquela hora eu não sabia se eu ficava sério ou se eu ficava feliz. Não que eu quisesse que algo de mal acontecesse a ele, apesar de ter desejado várias vezes chutar o traseiro daquele imbecil. Mas, inconscientemente, eu estava tendo uma espécie de sensação de vingança. Limitei-me a dizer ao Kevin:

- Ele está bem?
- Cara, ele tá no hospital. Eu falei com a mãe dele, ela disse que é bem possível que ele fique para... para... - Kevin empacou tentando achar a palavra certa, e quando eu percebi, gritei tão alto que meu pai, de fora da casa, me escutou.
- Paraplégico? - assim que eu disse isso, meu pai veio correndo saber do que se tratava.
- Paraplégico? Quem? - Ele disse.
- Espera, pai. Kevin, como você soube disso?
- Já disse, a mãe dele me falou. Agora preciso desligar. Meus pais querem ir lá prestar solidariedade à família.
- Ah, valeu, Kev. Obrigado por me avisar.
- Tchau.
- Tchau.

Desliguei o telefone, e aquela sensação de vingança sumiu tão subitamente quanto apareceu. Virei pra meu pai e disse:

- Foi o Phil. Ele sofreu um acidente de carro.
- Aquele garoto Phillip, namorado da filha dos Parker, Beatrice? - pra quê ele tinha que lembrar isso?
- Ele mesmo, pai - falei desanimado. - Parece que ele está no hospital agora mesmo.
- Meu Deus! Acho que a gente precisa ir lá, dar um apoio aos pais dele, não acha?

Ir ao hospital com certeza significava encontrar com a Beatrice, e isso era uma coisa que eu realmente queria evitar. Falei:

- Pai, realmente eu acho que não há necessidade... - ele me interrompeu:
- Está decidido. Ele é seu colega, e a gente vai lá pela tarde. Avise a sua mãe.

"Colega" não era o termo mais apropriado pra mim e Phil. De qualquer forma, resolvi não discutir com meu pai, e fui falar com minha mãe. Só então me lembrei de outro fato inconveniente: Claire. Mamãe não iria deixá-la em casa sozinha, o que significava que ela teria de ir conosco. Alguém planejou isso tudo? Ter que visitar um inimigo no hospital, encontrar com a garota dos meus sonhos - que por sinal eu acabara de dispensar - e, por fim, ter a peste da Claire no meu encalço. Não tinha como ficar pior.

Nós fomos ao hospital pra visitar o Phil. Eu fui bem a contragosto, mas me esforcei pra mostrar que eu estava um pouco triste pelo que tinha acontecido. Os pais dele pareciam não saber que eu era o motivo de Phil ter corrido tanto na noite anterior.

Quando chegamos no quarto, vi exatamente o que eu não queria ver: Beatrice velando o sono de Phil.

- Ele está em coma? - Claire perguntou. Meus pais e eu ficamos totalmente envergonhados com a indiscrição dela .
- Não querida. - A enfermeira responsável disse. - Ele está sob o efeito de medicamentos.
- Ah, ele está dopado! Entendi... - Cada vez que Claire abria a boca, nós ficávamos mais sem saber o que falar.
- Olá Beatrice. - Eu disse, tentando ser educado com a garota que estava no canto do quarto.
- Oi Ben - Ela nem me olhou pra dizer isso.

Nossa conversa parou por aí. Eu não tinha nada pra falar com ela, principalmente naquela situação. Saímos do quarto em que Phil estava e meus pais ficaram conversando com os pais do Phil, perguntando mais detalhes. A mãe dele estava totalmente abalada, não parava de chorar.

- Eu... Eu não entendo... - Ela dizia, chorando - O que fez ele ser tão imprudente? Ele não bebe, estava sozinho, não consigo entender.

Minha mãe ficou tentando consolá-la e eu ficava cada vez pior. Beatrice, que parecia se sentir tão mal quanto eu, se despediu de nós e foi embora. Claire era a única que demonstrava total desinteresse na situação. Meu pai puxou os fones que estavam nos ouvidos dela, o que causou uma reação explosiva.

- Eu tenho o direito de ouvir música! - Ela falou alto. Uma enfermeira passou por nós pedindo silêncio. - Não posso fazer nada se estou totalmente entediada. - ela resmungou baixo, eu ouvi por que estava ao seu lado. Permaneci em silêncio.

Depois dessa tarde, não vi mais Beatrice. Ela não saia dos meus pensamentos, por isso precisava sair de La Palma o mais urgente possível. Conversei com meus pais sobre adiantar meu retorno a Los Angeles passando as férias lá e teve todo aquele negócio de "conversa em família" que meus pais adoravam fazer.

- Não acha que está um pouco cedo pra voltar mocinho? - Minha mãe disse.
- Mãe, eu quero me adaptar à cidade, conhecer as ruas, os lugares.
- Da outra vez você não ficou uma semana lá pra conhecer? - Ela não gostava de pensar que eu iria ficar fora de casa tanto tempo. Se ela soubesse que eu pensava em voltar só nas próximas férias...
- Está bem, vou explicar pra vocês. - Eu disse
- É bom que explique mesmo - meu pai falou.
- Tem uma banda em Los Angeles me esperando pra ensaiar.
- O quê? - Minha mãe perguntou.
- Vamos esperar ele terminar Liz. - Meu pai me deu um tempo pra continuar antes que minha mãe começasse a sessão de perguntas.
- Quando eu fui pra lá conheci uns caras legais, da natação, que tinham uma banda e estavam sem guitarrista. Eles me pediram pra tocar com eles e nós passamos a semana inteira ensaiando.
- E onde você quer chegar com isso? - Meu pai perguntou.
- Por acaso você não quer nos enganar dizendo que vai pra Los Angeles estudar e ao invés disso ficar com essa banda pra cima e pra baixo, não é?
- Não mãe, eu vou mesmo estudar em Los Angeles. Só que, agora nas férias, vai ter um festival de bandas novas e a nossa está inscrita. Vai ter um prêmio de quinze mil pra a banda que vencer.
- E você acha que vai ganhar? - Meu pai perguntou.
- Se eu não tentar, não vou conseguir, não concorda? - Respondi.
- Deixa eu colocar as coisas no lugar. Você quer ir pra Los Angeles nas férias pra poder tocar num festival de bandas que vai ter um prêmio de quinze mil dólares. Se for uma coisas justa, esse prêmio vai ser dividido entre os componentes da banda, certo?
- Sim, certo
- Tudo bem, já decidi.
- Decidiu? Decidiu o que? - Meu pai sempre ficava apavorado quando minha mãe dizia essas coisas.
- Vamos passar as férias em Los Angeles. - Ela disse o que eu menos esperava.
- Vamos? Quem vamos? - Meu pai perguntou.
- A família Harry! Precisamos de uma folga, Los Angeles é perto, podemos conhecer Hollywood. Já imaginou encontrar Brad e Angelina passeando com todos os filhos na rua? Que lindo... - Ela ficou sonhando com isso e eu nem tinha certeza se eles ainda eram casados. - E vamos poder ver o Ben tocar!
- Mãe, o festival é no começo de agosto, eu acho que Claire já vai estar estudando.
- Não era nas férias? - ela me pegou - Tudo bem, sem problemas. Vamos conhecer seus amigos e ver o som de vocês! Uhu! - Minha mãe fez aquele sinalzinho de roqueira revoltada e eu fiquei com uma cara de "o que é isso?"

Ela vivia me surpreendendo. Pela primeira vez, Claire pareceu não se importar com uma escolha que minha mãe havia feito para adaptar toda família a mim, justamente no dia que eu desejei que ela fizesse isso.

- Eu preferia ir à Disney, mas... - Foi o que ela disse. Só isso.
- Então Claire! Vai todo mundo pra a Disney e eu vou pra Los Angeles, sabe como é, tenho compromissos.
- Não vem com essa Ben, vamos todos pra Los Angeles. - Minha mãe cortou a minha.

Depois de muita conversa, meu pai conseguiu convencer minha mãe que não ia, por que ia trabalhar. Acabei aceitando que não ia adiantar o que eu falasse ou fizesse, ela tinha colocado na cabeça que ia pra lá, então ela ia.

Uma semana depois fomos de carro pra Los Angeles. Minha mãe conseguiu um hotel menos luxuoso pra passar quatro dias na cidade. Mesmo não podendo ficar lá o tempo que queria, ela ficou mega empolgada com a quantidade de lojas, alugou um carro e saiu com Claire logo no primeiro dia pra conhecer a cidade. Isso me deixou livre para fazer o que eu queria: uma visita surpresa à Ellie.

Fazia um tempo que eu não a via e me arrumei pra esse reencontro. Estava morrendo de saudades dela. Peguei na minha mala uma camisa que eu gostava muito do Pink Floyd, e o óculos que ela tinha me dado. Ela precisava ver que eu tinha gostado do presente e que estava usando.

Passei de carro na frente da casa e vi Ellie lavando o carro. Ela usava um short jeans desfiado, como aquele do dia que a conheci, e uma camisa idêntica a minha. Eu parei o carro e fiquei olhando pra ver o que ela ia fazer. Ela estava muito concentrada na limpeza, passando pra lá e pra cá com uma mangueira, ou sei lá o que era aquilo. Parecia que também fazia espuma, e aspirava o pó, um daqueles mil utilidades que minha avó compraria. Ela olhou o carro estacionado na porta e me viu encostado nele.

- Ben? - ela largou o mil utilidades do lado do carro e veio andando em minha direção. Eu comecei a sorrir. Tirei os óculos do rosto.
- Oi Ellie.
- O quê? O que você está fazendo aqui? Por que não me ligou? Por que não avisou que vinha? - Eu não parava de pensar na coincidência das camisas e ria sozinho. - O que você está rindo? Meu Deus, eu lavando o carro, nem fiz nada pra você. Se bem que você é de casa, não precisa mais disso.
- Eu não sou mais visita? - perguntei.
- Já esqueceu que você morou aqui uma semana, cozinheiro? - Ela parou um segundo e começou a rir. - Entendi agora. - ela apontou pra a minha camisa e a dela. - Vai ficar aí fora? Entra em casa!
- E você não vai nem me cumprimentar direito? - Ela me deu um abraço e foi me puxando para o jardim.
- Carrão, hein? - ela disse e ri junto com ela. - Se eu fosse você, me ajudava a lavar o meu grande carro agora. - Ellie pegou o mil e uma utilidades e jogou um monte de água em mim.
- Pára com isso Elie! - Não parávamos de rir - É assim então? - Peguei o balde cheio de espuma e joguei em cima dela.
- Ben! - ela parou com a água. Eu parei - Eu luto karatê, sabia? Posso me defender fácil...
- Sério? - perguntei, sarcático. - Tô morrendo de medo.

Ellie ligou de novo a coisa, jogou mais um monte de água em mim e correu, se atirando nas minhas costas. Nós caímos no chão, gargalhando. Então, fizemos silêncio. Ela fingiu que estava me imobilizando e eu fiquei lá, parado no chão.

- Que bom que está de volta. Senti saudades. - Ela disse.
- Pra mim também é muito bom voltar.

Comentários

  1. Nossa... V6 não sabem como foi legal ouvir a Rach me ligar (quase histérica) dizendo que a parte que eu escrevi pra ela tinha ficado (palavras dela) "Muito bom mesmo!"
    E além do mais, o final do capítulo ficou ótimo!!!

    Ajudarei quando possível! Abraços!

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  2. Que coisa gay hein??? asuhasuahs brinks...foi fofo!!

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  3. Eu realmente luto karate, só pra constar (mentiraaa...)
    ashasuhaushasu

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