Capítulo 31 - POV Ellie
Ontem tinha sido um dia complicado. Minha cabeça tinha parado de doer, mas meu coração ainda sentia os efeitos de ser partido ao meio. O mais incômodo foi sonhar com Noah. Se eu estava num momento complicado com Ben, com toda aquela coisa de ser trocada pela minha prima, e eles serem um casal feliz, eu tinha que dar um tempo pra não ocupar a cabeça com ninguém, exceto comigo.
Mas parecia que a minha cabeça estava achando um tédio pensar só em mim e começou a pensar numa outra pessoa, que estava lá do outro lado da rua. Eu realmente não queria me envolver de novo com alguém tão cedo, mas como eu podia desejar não me envolver com Noah se, sem perceber, eu já estava envolvida? Todas as manhãs passadas conversando e vendo coisas legais juntos, aquilo não parava de repetir na minha mente. Talvez eu nem me importasse mesmo com o que aconteceria com Ben agora.
O sonho foi estranho, totalmente sem noção. Eu estava num lugar isolado, escuro, sozinha, quando do nada aparecia um Noah descamisado segurando uma prancha. E ele simplesmente não me enxergava! Eu chamei, gritei, me joguei no chão, chorei, implorei a atenção, mas ele só caminhava para o mar. Ele simplesmente não me viu. Meu nervoso por não conseguir fazê-lo me ver era tamanho que eu comecei a chorar, desesperada, até que eu acordei soluçando mesmo, sem conseguir respirar, mas sem lágrimas.
Me perguntei por que no sonho eu queria tanto chamar a atenção de Noah. Cheguei a conclusão de que, mesmo sem querer aceitar isso, eu achava que a opinião dele era importante na minha vida. Mas isso definitivamente NÃO significava que eu estava apaixonada por ele. Não mesmo. Talvez, só um pouquinho. Aliás, não.
Depois desse sonho, minha visão de Noah mudou. Quem era ele pra invadir meus pensamentos daquela forma? Eu não queria nem olhar pra ele, mesmo que isso fosse um desejo impossível de realizar. Na sexta pela manhã eu acordei cedo, lembrando que receberíamos visitas. As visitas do Ben, certo, mas a casa era minha.
Ao menos eu devia deixar claro para Ben que, mesmo que eu gostasse dele, não queria que as coisas ficassem estranhas entre nós, talvez pra que isso não influenciasse o festival ou mesmo o tão esperado relacionamento dele com Beatrice. Conversei um pouco com ele, muito pouco mesmo, porque as visitas chegaram.
No carro estavam duas garotas idênticas, uma de cabelo curto mais despojado e outra com um cabelo longo, liso e lindo, e mais um rapaz moreno, com um rosto simpático. Imaginei que Rebecca fosse a gêmea do fundo, porque eu sabia que ela namorava Kevin e, bem, se ele era o único cara no fundo do carro eles eram o casal. A garota na frente se chamava Rachel, como eu fui saber depois.
Dava pra notar que Rachel não era tão amiga de Beatrice quanto Rebecca, ela ficou um pouco mais afastada da confraternização das duas. Deu pra perceber também que Rachel era hiperativa. Só assim pra descrever aquela garota. Achei que deixá-la isolada não era o melhor a se fazer então, quando tive uma oportunidade, falei com ela. Ela estava com um livro na mão, que eu tentei ver o título. Orgulho e Preconceito.
- Rachel, não é? - Perguntei
- Sim, sim.
- Você está lendo Orgulho e Preconceito? Porque eu, realmente, amo essa história.
- Sério? Eu também! Cara, você já viu o filme? Que Sr. Darcy é aquele? "Eu te amo, eu te amo, eu te amo..." - Ela começou a imitar as falas.
- Amoooo! Muito! Já assisti mil vezes! - Eu falei empolgada
- Eu também! Eu, Rebecca e minha mãe, quando não temos nada pra fazer, assistimos o filme. Sei lá, é um filme que eu não canso de assistir. Consegui o livro com uma amiga, comecei ontem, já estou quase terminando.
- Eu li em três dias, no máximo. Quando eu pego um livro bom, não consigo parar de ler.
Ela era legal, mesmo falando rápido e tudo mais. E conhecia livros bons, filmes bons, a maioria que eu já tinha visto, e muita música boa. Melhor de tudo, ela também amava trilhas sonoras. Não teve ensaio porque Ben estava no trabalho e nós conversamos tanto tempo que eu nem senti a tarde passar. Aliás, nunca tinha conversado tanto com uma pessoa que eu tinha acabado de conhecer. Os garotos passaram aqui em casa pra conhecer os amigos do Ben, inclusive Noah. Rachel ficou toda empolgada com Noah. O comentário dela que foi destrutivo.
- Menina, quem é aquele cara ali? - Eu parei e pensei "Quem?" - Gatão, viu? Seu vizinho é? Vi ele atravessar a rua... - Vi que ela estava se referindo a Noah.
- É - eu respondi.
- Se eu fosse você, agarrava. - Eu comecei a rir.
- Agarrava? - eu perguntei, caindo na gargalhada.
- É minha filha! E ele está ali, só esperando a sua pessoa... - Ela disse e eu olhei pra Noah, que estava me encarando. Comecei a corar - Você fica vermelha? Que engraçado. Deve ser terrível se isso acontecer o tempo todo. Por exemplo agora - Ela começou a rir.
- Eu estou vermelha?
- Não, vermelha é apelido. Está cor de beterraba.
- Ai meu Deus - Eu fui rápido me esconder, lavar o rosto, beber uma água, procurar alguma coisa pra amenizar aquilo.
Os meninos não demoraram muito lá em casa. Rachel, como deu pra notar, gostava de conhecer gente. Ela mesma se apresentou a todo mundo.
Perto do fim da tarde, alguém sugeriu dar uma volta. Fomos buscar Ben na loja e saímos pra jantar. Imaginei que Rachel e Noah se dariam bem, porque eu me sentia bem conversando com os dois. Pena que ele não foi com a gente. Mas eu não tinha que sentir falta dele, não mesmo.
No sábado, a preparação para o festival começou cedo. Nós chegamos umas duas da tarde e eu fiquei sabendo que o festival seria dividido em dois dias. Eles escolheriam as cinco melhores bandas pra uma segunda apresentação no domingo. Eu não era a pessoa mais confiante ali, mas eu tentei dar o meu melhor.
Eu estava muito sem graça com Noah, principalmente depois de todas as demonstrações de perseverança da parte dele. E, pra todos os efeitos, eu estava sozinha agora, ele tinha uma chance. Ele tentou falar comigo, eu que não dei muita atenção. Não acho que foi a melhor coisa a fazer, mas ele tinha que enxergar que eu não estava tão disponível quanto parecia.
Um pouco antes da nossa apresentação o mais novo casalzinho teve todo aquele momento de desejar boa sorte e essas coisas. Eu com certeza não era a pessoa mais feliz ali naqueles bastidores. Todo mundo estava muito concentrado e Noah esquisitamente mais sério do que o normal. Eu tentei não pensar em nada daquele clima de nervoso anterior às apresentações.
Eu não prestei muita atenção no que apareceu antes, exceto uma banda, uma tal de A Clock, que fez cover do Coldplay, cantando a música que eu mais adoro, Clocks. Comecei a brincar com minhas baquetas, talvez de uma maneira nervosa, mas aquilo estava me deixando mais leve.
Quando começamos, fiquei com muito medo de errar o ritmo. Nós tínhamos ensaiado mil vezes, é verdade, mas ainda assim, estar no palco é outra realidade. Quando Dan começou a música, tentei me concentrar ao máximo em quando a voz de Ben ia surgir. Meu coração ficou muito mais acelerado do que já estava quando ele começou a cantar.
- First time I saw you... I knew you would be mine... but then the fear shut my mouth and now we're in worlds apart... - Aquilo estava muito mais pra mim e ele do que pra ele e Beatrice. Nós estávamos mesmo em mundos separados, não por causa do medo, mas por causa das escolhas.
Comecei a bateria leve, quase só batendo nos pratos, na caixa e no chimbau. Depois, à medida que a música seguia, eu fui aumentando o ritmo, a velocidade e a força e tocando cada vez mais partes da bateria. Um ódio ia subindo por mim junto com a música, eu fui ficando cada vez mais histérica com as baquetas. Meus braços e pernas iam ficando cada vez mais rápidos, com um descanso apenas quando saíamos do refrão. Na hora meu do solo eu já estava totalmente descontrolada, quase tocando de olhos fechados. Estava tão intenso como a bateria de No More Lies, do Iron Maiden.
Quando a música terminou eu estava totalmente ofegante, talvez suando. Mas o público gostou. Eles gritaram muito e eu fiquei tipo "é comigo?" Foi uma sensação muito boa, saí do palco uma pilha, com os braços doendo. Cheguei a massager pra ver se diminuia. Todo mundo estava tão no speed quanto eu, menos Noah. Ele parecia satisfeito com a apresentação, mas não tão feliz.
Mais um monte de bandas se apresentou depois da gente. Eu gostei de umas, detestei outras, achei que algumas valeriam a pena... Uma banda que me chamou atenção foi uma tal de Call me tonight. Eles tinham um som bem legal, bastante harmonioso.
Fiquei muito nervosa na hora de anunciarem as cinco escolhidas. O vocalista da última banda que ganhou o festival, Tom Gardner, foi quem anunciou os nomes. As quatro primeiras a serem chamadas foram Observer, Rock Soldiers, a que eu gostei Call me tonight, e The X Factor, que fez cover do Iron Maiden. Eu já estava totalmente desiludida quanto à nossa convocação, mas, depois do que Tom falou no palco, sobre o vocalista ser tímido, Rachel ficou dizendo que com certeza seríamos nós, porque ela tinha conversado com Tom e falou isso.
- Essa banda causou um imenso frenesi no público. Me disseram que o vocalista é tímido... Sabe que nem pareceu? Pessoal, acho que vocês vão gostar da escolha. A última banda convocada é... Blue Blanket!
Meu coração parecia que ia sair pela boca, de tão acelerado. Eu não conseguia acreditar que tínhamos mesmo ido pra a final. Fiquei tão feliz que cheguei ao cúmulo de fazer dancinha da vitória com Rachel.
No domingo a coisa deveria ser mais elaborada. Cada banda apresentaria três músicas, duas de autoria própria, se tivessem, e mais um cover. Depois de discutirmos um tempo, o pessoal optou pela música que eu sugeri, Naive, do The Kooks. Nos preparamos pra cantar também duas das músicas compostas por Josh, "Burning Sea", que tinha uma levada mais surf music e "Do you know how I feel?", que era meio pop rock.
Nesse dia as bandas foram organizadas por sorteio. Nós faríamos a terceira apresentação. Começou com The X Factor. Eles mostraram somente uma música de composição própria e fizeram cover de duas do Iron Maiden, The Trooper e Sign of the cross. Achei aquilo meio batido, não foi a melhor apresentação.
Depois deles, foi a vez do Observer. A apresentação deles foi muito melhor que a da primeira banda. Fizeram cover do Keane, com Somewhere only we know, muito bom por sinal. Depois tocaram duas músicas deles, uma mais lenta e outra mais agitada. A mais agitada foi bem legal, me lembrou Shut your eyes, do Snow Patrol.
Na nossa vez, começamos com o cover. Como Naive começa com uma guitarra solo e voz, Ben foi tocando sozinho. Depois eu fui acompanhando com a bateria, e Josh com a outra guitarra. Foi uma música divertida de tocar, primeiro porque está na minha lista de músicas preferidas, segundo porque é fácil, terceiro por que nós demos uma repaginada nela. A música original tem duas guitarras, bateria e baixo. Pra que Dan pudesse fazer alguma coisa com os teclados, demos um jeito de encaixá-lo antes do solo das guitarras. Ele fez um agudo do som que as guitarras fazem na primeira parte do solo, rápido, e depois Josh e Ben entraram. O pessoal gostou, gritou muito.
A segunda música programada pra tocarmos foi Do you know how I feel. Mesmo sem ninguém do público conhecer a letra, foi bem aceita, com o pessoal pulando e batendo palmas pra acompanhar a bateria.
Quando começaram os primeiros acordes da terceira música, Burning Sea, a platéia começou a cantar trechos de Kisses of Goodbye. Só ouvíamos a massa:
- I don't want your kisses, I don't want your kisses, I don't want your kisses of goodbye... - E batendo palmas no ritmo certinho - I don't want your kisses, I don't want your kisses, I don't want your kisses of goodbye...
Nós paramos de tocar. E o pessoal continuou o refrão da música, talvez a parte que eles gravaram.
- Eles querem Kisses of Goodbye - Josh falou - Toca essa! A galera está pedindo.
- Espera gente, e a nossa programação? - Ben perguntou
- Esquece, toca o que o público quer - Dan respondeu
- É Ben, toca logo, pra a gente não passar do tempo - Noah disse.
- Vocês querem Kisses of goodbye? - Ben perguntou ao público - Quem quiser grita...
Uma multidão começou a gritar.
- Dan, começa logo com isso! - Eu disse
Dan começou a tocar a início da música e o povo começou a berrar! E eu fiquei bem assim "É com a gente? Caramba!" O mais interessante foi ver o pessoal acompanhar o "again, and again, and again" e depois o refrão todo. A gente só tinha tocado a música uma vez em público. Achei aquilo inacreditável.
A gente saiu do palco ouvindo muitos gritos e assovios. Depois, a banda Rock Soldiers tocou Young Folks, de Peter, Bjorn e John, que é uma música muito fofa. Achei excelente escolha. Além dessa, tocaram Bongo Bong, de Robbie Williams, que também é muito boa, e uma música deles que eu não prestei atenção no nome.
Por fim, Call Me Tonight fechou as apresentações. Soube que eles tinham ficado em terceiro lugar ano passado. Eles já entraram cheios de estilo no palco, vestidos com umas roupas toscas de índio, pedreiro, cowboy, policial, como os caras do Village People. Eu achei aquilo meio estranho, mas a platéia gritou. A música cover deles foi Macho Man. O mais legal é que eles foram criativos o suficiente pra dar uma pegada rock à música, que deixou muito ótimo. Foi que nem Chris Martin cantando Billie Jean com o Coldplay, mais surpreendente até.
Eu comecei a ficar com medo. Eles tinham ido pra ganhar, isso era certeza. E os caras tocavam bem, além de já terem um público. Tocaram uma segunda música, meio deprê, chamada Young, com um arranjo lindo. A música era muito bonita, falando sobre o afastamento gradual dos amigos que fazemos durante a vida. E tocaram uma terceira música, deles também, bem agitada, cheia de sons legais.
Aquela foi a banda que me deu medo. Nenhuma das outras bandas foi tão melhor que a nossa. Quando Tom Gardner foi anunciar a banda vencedora, eu já estava conformada com o segundo, terceiro ou até mesmo quarto lugar.
- Calma pessoal, calma, eu sei que vocês estão curiosos. A disputa foi bem acirrada aqui hoje. Eu achei que as bandas deram mais do que um show, foi tudo um espetáculo. Ali, nos jurados, duas bandas se destacaram - Rock Soldiers e Call Me Tonight, com certeza, pensei. - Não podemos esquecer que o improviso conta muito aqui, porque a banda vencedora vai tocar com a gente, sem ensaios, alguma música que a gente escolheu.
A platéia estava começando a se fragmentar. Alguns gritavam Observer, outros BB, se referindo à nossa banda, outros CMT, pra Call me tonight, outros X factor, outros Rock Soldiers. As bandas estavam mais próximas do palco, algumas fazendo corrente, ou como nós, em silêncio, esperando o que ele tinha a dizer.
- Então, com o improviso como uma questão eliminatória, a banda vencedora do festival foi... Blue Blanket!
Eu explodi. Gritei, abracei todo mundo, fui correndo pra o palco.
- E aí, querem falar alguma coisa? - Tom perguntou quando subimos no palco pra pegar o troféu e o cheque representativo.
- Muito obrigado a todo mundo que pediu pra a gente tocar Kisses of Goodbye, aos meus amigos que estão aqui no festival desde cedo junto com a gente, ao pessoal todo do apoio e à própria banda, à nossa baterista, Ellie, por nos inscrever no festival e, principalmente à minha namorada, Beatrice, porque, se não fosse por ela, provavelmente eu não escreveria a música que vocês gostaram tanto. - Ben disse
Claro que Beatrice ficou totalmente emocionada na platéia. Mesmo que eu quisesse, não conseguia ignorar aquilo.
- Então, agora, vamos preparar aqui as coisas pra tocar, não é pessoal? - Tom falou.
Os rapazes do The Murder começaram a subir no palco pra se organizar. Eu nem fiz muita questão de ficar na bateria, liberei pra eles. A música que eles escolheram foi Under Pressure, do Queen, que foi muito bem executada, mesmo com dois vocalistas e tudo mais. O festival acabou umas oito da noite.
- Pessoal, festa lá em casa pra comemorar!! - Eu disse aos meus companheiros de banda, toda alegrinha. - Se quiserem chamar mais alguém, podem chamar!
Dei uma passada no mercado pra comprar umas pizzas e refrigerantes, na crença de que no máximo vinte pessoas iriam lá pra casa. Me enganei totalmente. A ideia de falar "se quiserem chamar mais alguém" foi a pior que eu poderia ter. De vinte imaginados, apareceram cinquenta, até gente que eu nunca tinha visto. Tom Gardner, vocalista dos Murders, foi, levou o pessoal todo da banda com ele e um monte de bebida. Eu fiquei preocupada, afinal, eu tinha vizinhança, fazer uma festa que tenha bebidas se você é menor de 21 é perigoso. Se alguém resolvesse chamar a polícia, todo mundo estava ferrado.
Quando cheguei do mercado, além das únicas moradoras que ainda estavam na casa, Natasha e Paula, as visitas de Ben e os garotos da banda, o pessoal da Observer e da Call me tonight também estavam na minha casa. Alguém teve a brilhante idéia de encher a piscina inativa há dois anos, além de colocar umas luzes ao redor. Eu fiquei pensando em quem limparia aquela bagunça no outro dia.
Me ofereceram Blood Mary e Doritos, que eu realmente não sabia de onde tinha surgido, mas não recusei. Beatrice, Rachel e Rebecca me ajudaram e eu coloquei algumas pizzas no forno, um monte de Doritos numas tigelas e servi refrigerantes pra o pessoal. Até um DJ apareceu lá de surpresa, se achando o próprio David Ghetta. Resolvi relaxar. Eu não vou conseguir expulsar esse pessoal daqui mesmo, aliás, a ideia da festa foi minha... pensei.
A música que o DJ estava tocando era bem legalzinha, mas quando você reune um monte de músicos em casa eles sempre querem exibir seus dons. Alguns se juntaram ao redor da piscina e começaram a tocar violão, cantar e conversar, sem contar a quantidade de pessoas que se jogou de roupa e tudo na piscina.
Já passavam de onze da noite quando o gelo dos drinks acabou. Como boa anfitriã, tinha reservado um saco de gelo no freezer, então fui tentar pegar na cozinha. Minha cozinha tinha uma saída pra o fundo, onde ficava a piscina, imaginei que pudesse carregar o gelo sozinha.
Abri o freezer e comecei a puxar hostilmente o pesado saco de gelo. Vi a hora de ferir minhas mãos e nem sentir, só ver os hematomas no dia seguinte.
- Precisa de ajuda? - Noah, que eu quase não tinha visto depois do festival, me perguntou, encostado na porta da cozinha. Aquela era a visão que eu menos esperava.
- Não, não, muito obrigada - Meu orgulho falou mais alto. Ele deu um sorriso de canto, aquele que eu mais gostava.
- Mesmo? - Ele continuou sorrindo. Lindo. Mantenha-se firme... É só um sorriso.
- Não, eu consigo - Continuei a puxar o saco de gelo, que parecia ter emperrado só porque ele chegou.
- Eu acho melhor te ajudar. - Ele falou. Me venceu pelo cansaço.
- É, talvez.
Deixei que ele passasse pra pegar o saco de gelo. Todo meu esforço foi ridículo quando ele pegou o saco de gelo, que devia ter uns 20 ou 30 quilos, e carregou facilmente até o balcão que ficava na parte mais extrema da cozinha, perto da porta dos fundos. Ele colocou o gelo em cima do balcão e ficou me olhando ajeitar os copos na pia. O tempo que ele permaneceu lá foi irritante.
- O gelo vai derreter se você ficar aí - Eu disse. Ele andou até perto de mim e eu fui ficando nervosa pensando no que ele ia fazer.
- Não se isso for rápido. - Noah falou e me beijou. Eu não sabia o que fazer. Talvez eu tenha ficado totalmente estática. Ou talvez não.
Ele tinha uns braços fortes que estavam me segurando firme na cintura. Meu Deus, o que é isso? Acalme-se Ellie. Eu parei de pensar. Só sei que, em alguns segundos, ele tinha me carregado de uma ponta a outra da cozinha e eu estava sentada no balcão onde ele colocou o gelo, literalmente me agarrando com ele.
Noah tinha mais do que uma pegada. Tudo dele era bom, cheiro, beijo, abraço. Nessa situação estranha que eu não imaginei acontecer, ou pelo menos não tão cedo, acabei colocando a mão em cima do gelo e me lembrei do que eu tinha ido fazer na cozinha.
- Espera. - Eu disse, empurrando-o um pouco pra trás. - O gelo.
- Deixa o gelo - Ele falou, respirando bem perto de mim.
- Não Noah... - Eu puxei o ar pra tentar me focar no meu objetivo - Alguém pode chegar. E, enfim, eu vim buscar o gelo.
- Está bem - Ele se afastou, pegou o saco de gelo com raiva e saiu da cozinha.
Eu parei alguns instantes, me apoiei no balcão com as duas mãos e fiquei hiperventilando. Wow, o que foi isso? Olhei os copos no chão, a maioria quebrados. Eu nem sequer tinha ouvido alguma coisa cair no chão, quanto mais quebrar. Comecei a catar os cacos pra evitar acidentes. Organizei os copos que sobraram, mas, sem perceber, fiquei estática, me segurando numa parede do canto olhando a piscina, pensando no que tinha acontecido segundos atrás.
- Podemos continuar? - A voz falou pertinho do meu ouvido, e um arrepio subiu pela espinha. Me virei pra ele.
- Continuar? Você que sabe... - Um lado desconhecido e provocativo me dominou. De qualquer modo, eu não tinha como sair, atrás de mim a parede, na minha frente Noah, dos dois lados os braços dele impedindo minha passagem.
E começou tudo de novo. Alguém ia entrando na cozinha, quando Noah, rapidamente, me deixou no canto e achou alguma coisa pra disfarçar. Era Rachel. Pelo menos.
- Ops, atrapalho alguma coisa? - Ela perguntou, já ensaiando um sorriso.
Eu comecei a sentir meu rosto esquentar. Tinha certeza que estava vermelha. E ofegante também, entregando tudo. Noah passou a mão no cabelo, respirou fundo e respondeu:
- Não, não, tudo bem.
- Só vim buscar um refrigerante, já estou saindo. - Ela disse e sorriu pra mim.
Rachel saiu da cozinha e Noah sorriu, muito convidativo.
- Cara de pau você, viu? - Eu falei. Ele gargalhou.
- De qualquer modo, eu não sabia quem estava vindo, então... - Ele parou pra me encarar - Você fica muito bem quando está vermelha, sabia?
- Ah não, você também? - Coloquei a mão no rosto - Vou sair daqui, isso não está dando certo...
- Espera Ellie - ele disse quando eu estava saindo da cozinha - Vou com você.
Noah colocou as mãos nos bolsos e foi caminhando comigo pra fora da cozinha. Eu também coloquei as mãos nos bolsos, num gesto inconsciente, que eu notei depois.
Eu realmente estava ficando sem noção. Tinha terminado um namoro na quinta-feira e já estava com outro garoto no domingo. Onde eu estava com a cabeça? Noah sorriu pra mim e eu vi a resposta da minha pergunta. Era ali que minha cabeça estava.
Mas parecia que a minha cabeça estava achando um tédio pensar só em mim e começou a pensar numa outra pessoa, que estava lá do outro lado da rua. Eu realmente não queria me envolver de novo com alguém tão cedo, mas como eu podia desejar não me envolver com Noah se, sem perceber, eu já estava envolvida? Todas as manhãs passadas conversando e vendo coisas legais juntos, aquilo não parava de repetir na minha mente. Talvez eu nem me importasse mesmo com o que aconteceria com Ben agora.
O sonho foi estranho, totalmente sem noção. Eu estava num lugar isolado, escuro, sozinha, quando do nada aparecia um Noah descamisado segurando uma prancha. E ele simplesmente não me enxergava! Eu chamei, gritei, me joguei no chão, chorei, implorei a atenção, mas ele só caminhava para o mar. Ele simplesmente não me viu. Meu nervoso por não conseguir fazê-lo me ver era tamanho que eu comecei a chorar, desesperada, até que eu acordei soluçando mesmo, sem conseguir respirar, mas sem lágrimas.
Me perguntei por que no sonho eu queria tanto chamar a atenção de Noah. Cheguei a conclusão de que, mesmo sem querer aceitar isso, eu achava que a opinião dele era importante na minha vida. Mas isso definitivamente NÃO significava que eu estava apaixonada por ele. Não mesmo. Talvez, só um pouquinho. Aliás, não.
Depois desse sonho, minha visão de Noah mudou. Quem era ele pra invadir meus pensamentos daquela forma? Eu não queria nem olhar pra ele, mesmo que isso fosse um desejo impossível de realizar. Na sexta pela manhã eu acordei cedo, lembrando que receberíamos visitas. As visitas do Ben, certo, mas a casa era minha.
Ao menos eu devia deixar claro para Ben que, mesmo que eu gostasse dele, não queria que as coisas ficassem estranhas entre nós, talvez pra que isso não influenciasse o festival ou mesmo o tão esperado relacionamento dele com Beatrice. Conversei um pouco com ele, muito pouco mesmo, porque as visitas chegaram.
No carro estavam duas garotas idênticas, uma de cabelo curto mais despojado e outra com um cabelo longo, liso e lindo, e mais um rapaz moreno, com um rosto simpático. Imaginei que Rebecca fosse a gêmea do fundo, porque eu sabia que ela namorava Kevin e, bem, se ele era o único cara no fundo do carro eles eram o casal. A garota na frente se chamava Rachel, como eu fui saber depois.
Dava pra notar que Rachel não era tão amiga de Beatrice quanto Rebecca, ela ficou um pouco mais afastada da confraternização das duas. Deu pra perceber também que Rachel era hiperativa. Só assim pra descrever aquela garota. Achei que deixá-la isolada não era o melhor a se fazer então, quando tive uma oportunidade, falei com ela. Ela estava com um livro na mão, que eu tentei ver o título. Orgulho e Preconceito.
- Rachel, não é? - Perguntei
- Sim, sim.
- Você está lendo Orgulho e Preconceito? Porque eu, realmente, amo essa história.
- Sério? Eu também! Cara, você já viu o filme? Que Sr. Darcy é aquele? "Eu te amo, eu te amo, eu te amo..." - Ela começou a imitar as falas.
- Amoooo! Muito! Já assisti mil vezes! - Eu falei empolgada
- Eu também! Eu, Rebecca e minha mãe, quando não temos nada pra fazer, assistimos o filme. Sei lá, é um filme que eu não canso de assistir. Consegui o livro com uma amiga, comecei ontem, já estou quase terminando.
- Eu li em três dias, no máximo. Quando eu pego um livro bom, não consigo parar de ler.
Ela era legal, mesmo falando rápido e tudo mais. E conhecia livros bons, filmes bons, a maioria que eu já tinha visto, e muita música boa. Melhor de tudo, ela também amava trilhas sonoras. Não teve ensaio porque Ben estava no trabalho e nós conversamos tanto tempo que eu nem senti a tarde passar. Aliás, nunca tinha conversado tanto com uma pessoa que eu tinha acabado de conhecer. Os garotos passaram aqui em casa pra conhecer os amigos do Ben, inclusive Noah. Rachel ficou toda empolgada com Noah. O comentário dela que foi destrutivo.
- Menina, quem é aquele cara ali? - Eu parei e pensei "Quem?" - Gatão, viu? Seu vizinho é? Vi ele atravessar a rua... - Vi que ela estava se referindo a Noah.
- É - eu respondi.
- Se eu fosse você, agarrava. - Eu comecei a rir.
- Agarrava? - eu perguntei, caindo na gargalhada.
- É minha filha! E ele está ali, só esperando a sua pessoa... - Ela disse e eu olhei pra Noah, que estava me encarando. Comecei a corar - Você fica vermelha? Que engraçado. Deve ser terrível se isso acontecer o tempo todo. Por exemplo agora - Ela começou a rir.
- Eu estou vermelha?
- Não, vermelha é apelido. Está cor de beterraba.
- Ai meu Deus - Eu fui rápido me esconder, lavar o rosto, beber uma água, procurar alguma coisa pra amenizar aquilo.
Os meninos não demoraram muito lá em casa. Rachel, como deu pra notar, gostava de conhecer gente. Ela mesma se apresentou a todo mundo.
Perto do fim da tarde, alguém sugeriu dar uma volta. Fomos buscar Ben na loja e saímos pra jantar. Imaginei que Rachel e Noah se dariam bem, porque eu me sentia bem conversando com os dois. Pena que ele não foi com a gente. Mas eu não tinha que sentir falta dele, não mesmo.
No sábado, a preparação para o festival começou cedo. Nós chegamos umas duas da tarde e eu fiquei sabendo que o festival seria dividido em dois dias. Eles escolheriam as cinco melhores bandas pra uma segunda apresentação no domingo. Eu não era a pessoa mais confiante ali, mas eu tentei dar o meu melhor.
Eu estava muito sem graça com Noah, principalmente depois de todas as demonstrações de perseverança da parte dele. E, pra todos os efeitos, eu estava sozinha agora, ele tinha uma chance. Ele tentou falar comigo, eu que não dei muita atenção. Não acho que foi a melhor coisa a fazer, mas ele tinha que enxergar que eu não estava tão disponível quanto parecia.
Um pouco antes da nossa apresentação o mais novo casalzinho teve todo aquele momento de desejar boa sorte e essas coisas. Eu com certeza não era a pessoa mais feliz ali naqueles bastidores. Todo mundo estava muito concentrado e Noah esquisitamente mais sério do que o normal. Eu tentei não pensar em nada daquele clima de nervoso anterior às apresentações.
Eu não prestei muita atenção no que apareceu antes, exceto uma banda, uma tal de A Clock, que fez cover do Coldplay, cantando a música que eu mais adoro, Clocks. Comecei a brincar com minhas baquetas, talvez de uma maneira nervosa, mas aquilo estava me deixando mais leve.
Quando começamos, fiquei com muito medo de errar o ritmo. Nós tínhamos ensaiado mil vezes, é verdade, mas ainda assim, estar no palco é outra realidade. Quando Dan começou a música, tentei me concentrar ao máximo em quando a voz de Ben ia surgir. Meu coração ficou muito mais acelerado do que já estava quando ele começou a cantar.
- First time I saw you... I knew you would be mine... but then the fear shut my mouth and now we're in worlds apart... - Aquilo estava muito mais pra mim e ele do que pra ele e Beatrice. Nós estávamos mesmo em mundos separados, não por causa do medo, mas por causa das escolhas.
Comecei a bateria leve, quase só batendo nos pratos, na caixa e no chimbau. Depois, à medida que a música seguia, eu fui aumentando o ritmo, a velocidade e a força e tocando cada vez mais partes da bateria. Um ódio ia subindo por mim junto com a música, eu fui ficando cada vez mais histérica com as baquetas. Meus braços e pernas iam ficando cada vez mais rápidos, com um descanso apenas quando saíamos do refrão. Na hora meu do solo eu já estava totalmente descontrolada, quase tocando de olhos fechados. Estava tão intenso como a bateria de No More Lies, do Iron Maiden.
Quando a música terminou eu estava totalmente ofegante, talvez suando. Mas o público gostou. Eles gritaram muito e eu fiquei tipo "é comigo?" Foi uma sensação muito boa, saí do palco uma pilha, com os braços doendo. Cheguei a massager pra ver se diminuia. Todo mundo estava tão no speed quanto eu, menos Noah. Ele parecia satisfeito com a apresentação, mas não tão feliz.
Mais um monte de bandas se apresentou depois da gente. Eu gostei de umas, detestei outras, achei que algumas valeriam a pena... Uma banda que me chamou atenção foi uma tal de Call me tonight. Eles tinham um som bem legal, bastante harmonioso.
Fiquei muito nervosa na hora de anunciarem as cinco escolhidas. O vocalista da última banda que ganhou o festival, Tom Gardner, foi quem anunciou os nomes. As quatro primeiras a serem chamadas foram Observer, Rock Soldiers, a que eu gostei Call me tonight, e The X Factor, que fez cover do Iron Maiden. Eu já estava totalmente desiludida quanto à nossa convocação, mas, depois do que Tom falou no palco, sobre o vocalista ser tímido, Rachel ficou dizendo que com certeza seríamos nós, porque ela tinha conversado com Tom e falou isso.
- Essa banda causou um imenso frenesi no público. Me disseram que o vocalista é tímido... Sabe que nem pareceu? Pessoal, acho que vocês vão gostar da escolha. A última banda convocada é... Blue Blanket!
Meu coração parecia que ia sair pela boca, de tão acelerado. Eu não conseguia acreditar que tínhamos mesmo ido pra a final. Fiquei tão feliz que cheguei ao cúmulo de fazer dancinha da vitória com Rachel.
No domingo a coisa deveria ser mais elaborada. Cada banda apresentaria três músicas, duas de autoria própria, se tivessem, e mais um cover. Depois de discutirmos um tempo, o pessoal optou pela música que eu sugeri, Naive, do The Kooks. Nos preparamos pra cantar também duas das músicas compostas por Josh, "Burning Sea", que tinha uma levada mais surf music e "Do you know how I feel?", que era meio pop rock.
Nesse dia as bandas foram organizadas por sorteio. Nós faríamos a terceira apresentação. Começou com The X Factor. Eles mostraram somente uma música de composição própria e fizeram cover de duas do Iron Maiden, The Trooper e Sign of the cross. Achei aquilo meio batido, não foi a melhor apresentação.
Depois deles, foi a vez do Observer. A apresentação deles foi muito melhor que a da primeira banda. Fizeram cover do Keane, com Somewhere only we know, muito bom por sinal. Depois tocaram duas músicas deles, uma mais lenta e outra mais agitada. A mais agitada foi bem legal, me lembrou Shut your eyes, do Snow Patrol.
Na nossa vez, começamos com o cover. Como Naive começa com uma guitarra solo e voz, Ben foi tocando sozinho. Depois eu fui acompanhando com a bateria, e Josh com a outra guitarra. Foi uma música divertida de tocar, primeiro porque está na minha lista de músicas preferidas, segundo porque é fácil, terceiro por que nós demos uma repaginada nela. A música original tem duas guitarras, bateria e baixo. Pra que Dan pudesse fazer alguma coisa com os teclados, demos um jeito de encaixá-lo antes do solo das guitarras. Ele fez um agudo do som que as guitarras fazem na primeira parte do solo, rápido, e depois Josh e Ben entraram. O pessoal gostou, gritou muito.
A segunda música programada pra tocarmos foi Do you know how I feel. Mesmo sem ninguém do público conhecer a letra, foi bem aceita, com o pessoal pulando e batendo palmas pra acompanhar a bateria.
Quando começaram os primeiros acordes da terceira música, Burning Sea, a platéia começou a cantar trechos de Kisses of Goodbye. Só ouvíamos a massa:
- I don't want your kisses, I don't want your kisses, I don't want your kisses of goodbye... - E batendo palmas no ritmo certinho - I don't want your kisses, I don't want your kisses, I don't want your kisses of goodbye...
Nós paramos de tocar. E o pessoal continuou o refrão da música, talvez a parte que eles gravaram.
- Eles querem Kisses of Goodbye - Josh falou - Toca essa! A galera está pedindo.
- Espera gente, e a nossa programação? - Ben perguntou
- Esquece, toca o que o público quer - Dan respondeu
- É Ben, toca logo, pra a gente não passar do tempo - Noah disse.
- Vocês querem Kisses of goodbye? - Ben perguntou ao público - Quem quiser grita...
Uma multidão começou a gritar.
- Dan, começa logo com isso! - Eu disse
Dan começou a tocar a início da música e o povo começou a berrar! E eu fiquei bem assim "É com a gente? Caramba!" O mais interessante foi ver o pessoal acompanhar o "again, and again, and again" e depois o refrão todo. A gente só tinha tocado a música uma vez em público. Achei aquilo inacreditável.
A gente saiu do palco ouvindo muitos gritos e assovios. Depois, a banda Rock Soldiers tocou Young Folks, de Peter, Bjorn e John, que é uma música muito fofa. Achei excelente escolha. Além dessa, tocaram Bongo Bong, de Robbie Williams, que também é muito boa, e uma música deles que eu não prestei atenção no nome.
Por fim, Call Me Tonight fechou as apresentações. Soube que eles tinham ficado em terceiro lugar ano passado. Eles já entraram cheios de estilo no palco, vestidos com umas roupas toscas de índio, pedreiro, cowboy, policial, como os caras do Village People. Eu achei aquilo meio estranho, mas a platéia gritou. A música cover deles foi Macho Man. O mais legal é que eles foram criativos o suficiente pra dar uma pegada rock à música, que deixou muito ótimo. Foi que nem Chris Martin cantando Billie Jean com o Coldplay, mais surpreendente até.
Eu comecei a ficar com medo. Eles tinham ido pra ganhar, isso era certeza. E os caras tocavam bem, além de já terem um público. Tocaram uma segunda música, meio deprê, chamada Young, com um arranjo lindo. A música era muito bonita, falando sobre o afastamento gradual dos amigos que fazemos durante a vida. E tocaram uma terceira música, deles também, bem agitada, cheia de sons legais.
Aquela foi a banda que me deu medo. Nenhuma das outras bandas foi tão melhor que a nossa. Quando Tom Gardner foi anunciar a banda vencedora, eu já estava conformada com o segundo, terceiro ou até mesmo quarto lugar.
- Calma pessoal, calma, eu sei que vocês estão curiosos. A disputa foi bem acirrada aqui hoje. Eu achei que as bandas deram mais do que um show, foi tudo um espetáculo. Ali, nos jurados, duas bandas se destacaram - Rock Soldiers e Call Me Tonight, com certeza, pensei. - Não podemos esquecer que o improviso conta muito aqui, porque a banda vencedora vai tocar com a gente, sem ensaios, alguma música que a gente escolheu.
A platéia estava começando a se fragmentar. Alguns gritavam Observer, outros BB, se referindo à nossa banda, outros CMT, pra Call me tonight, outros X factor, outros Rock Soldiers. As bandas estavam mais próximas do palco, algumas fazendo corrente, ou como nós, em silêncio, esperando o que ele tinha a dizer.
- Então, com o improviso como uma questão eliminatória, a banda vencedora do festival foi... Blue Blanket!
Eu explodi. Gritei, abracei todo mundo, fui correndo pra o palco.
- E aí, querem falar alguma coisa? - Tom perguntou quando subimos no palco pra pegar o troféu e o cheque representativo.
- Muito obrigado a todo mundo que pediu pra a gente tocar Kisses of Goodbye, aos meus amigos que estão aqui no festival desde cedo junto com a gente, ao pessoal todo do apoio e à própria banda, à nossa baterista, Ellie, por nos inscrever no festival e, principalmente à minha namorada, Beatrice, porque, se não fosse por ela, provavelmente eu não escreveria a música que vocês gostaram tanto. - Ben disse
Claro que Beatrice ficou totalmente emocionada na platéia. Mesmo que eu quisesse, não conseguia ignorar aquilo.
- Então, agora, vamos preparar aqui as coisas pra tocar, não é pessoal? - Tom falou.
Os rapazes do The Murder começaram a subir no palco pra se organizar. Eu nem fiz muita questão de ficar na bateria, liberei pra eles. A música que eles escolheram foi Under Pressure, do Queen, que foi muito bem executada, mesmo com dois vocalistas e tudo mais. O festival acabou umas oito da noite.
- Pessoal, festa lá em casa pra comemorar!! - Eu disse aos meus companheiros de banda, toda alegrinha. - Se quiserem chamar mais alguém, podem chamar!
Dei uma passada no mercado pra comprar umas pizzas e refrigerantes, na crença de que no máximo vinte pessoas iriam lá pra casa. Me enganei totalmente. A ideia de falar "se quiserem chamar mais alguém" foi a pior que eu poderia ter. De vinte imaginados, apareceram cinquenta, até gente que eu nunca tinha visto. Tom Gardner, vocalista dos Murders, foi, levou o pessoal todo da banda com ele e um monte de bebida. Eu fiquei preocupada, afinal, eu tinha vizinhança, fazer uma festa que tenha bebidas se você é menor de 21 é perigoso. Se alguém resolvesse chamar a polícia, todo mundo estava ferrado.
Quando cheguei do mercado, além das únicas moradoras que ainda estavam na casa, Natasha e Paula, as visitas de Ben e os garotos da banda, o pessoal da Observer e da Call me tonight também estavam na minha casa. Alguém teve a brilhante idéia de encher a piscina inativa há dois anos, além de colocar umas luzes ao redor. Eu fiquei pensando em quem limparia aquela bagunça no outro dia.
Me ofereceram Blood Mary e Doritos, que eu realmente não sabia de onde tinha surgido, mas não recusei. Beatrice, Rachel e Rebecca me ajudaram e eu coloquei algumas pizzas no forno, um monte de Doritos numas tigelas e servi refrigerantes pra o pessoal. Até um DJ apareceu lá de surpresa, se achando o próprio David Ghetta. Resolvi relaxar. Eu não vou conseguir expulsar esse pessoal daqui mesmo, aliás, a ideia da festa foi minha... pensei.
A música que o DJ estava tocando era bem legalzinha, mas quando você reune um monte de músicos em casa eles sempre querem exibir seus dons. Alguns se juntaram ao redor da piscina e começaram a tocar violão, cantar e conversar, sem contar a quantidade de pessoas que se jogou de roupa e tudo na piscina.
Já passavam de onze da noite quando o gelo dos drinks acabou. Como boa anfitriã, tinha reservado um saco de gelo no freezer, então fui tentar pegar na cozinha. Minha cozinha tinha uma saída pra o fundo, onde ficava a piscina, imaginei que pudesse carregar o gelo sozinha.
Abri o freezer e comecei a puxar hostilmente o pesado saco de gelo. Vi a hora de ferir minhas mãos e nem sentir, só ver os hematomas no dia seguinte.
- Precisa de ajuda? - Noah, que eu quase não tinha visto depois do festival, me perguntou, encostado na porta da cozinha. Aquela era a visão que eu menos esperava.
- Não, não, muito obrigada - Meu orgulho falou mais alto. Ele deu um sorriso de canto, aquele que eu mais gostava.
- Mesmo? - Ele continuou sorrindo. Lindo. Mantenha-se firme... É só um sorriso.
- Não, eu consigo - Continuei a puxar o saco de gelo, que parecia ter emperrado só porque ele chegou.
- Eu acho melhor te ajudar. - Ele falou. Me venceu pelo cansaço.
- É, talvez.
Deixei que ele passasse pra pegar o saco de gelo. Todo meu esforço foi ridículo quando ele pegou o saco de gelo, que devia ter uns 20 ou 30 quilos, e carregou facilmente até o balcão que ficava na parte mais extrema da cozinha, perto da porta dos fundos. Ele colocou o gelo em cima do balcão e ficou me olhando ajeitar os copos na pia. O tempo que ele permaneceu lá foi irritante.
- O gelo vai derreter se você ficar aí - Eu disse. Ele andou até perto de mim e eu fui ficando nervosa pensando no que ele ia fazer.
- Não se isso for rápido. - Noah falou e me beijou. Eu não sabia o que fazer. Talvez eu tenha ficado totalmente estática. Ou talvez não.
Ele tinha uns braços fortes que estavam me segurando firme na cintura. Meu Deus, o que é isso? Acalme-se Ellie. Eu parei de pensar. Só sei que, em alguns segundos, ele tinha me carregado de uma ponta a outra da cozinha e eu estava sentada no balcão onde ele colocou o gelo, literalmente me agarrando com ele.
Noah tinha mais do que uma pegada. Tudo dele era bom, cheiro, beijo, abraço. Nessa situação estranha que eu não imaginei acontecer, ou pelo menos não tão cedo, acabei colocando a mão em cima do gelo e me lembrei do que eu tinha ido fazer na cozinha.
- Espera. - Eu disse, empurrando-o um pouco pra trás. - O gelo.
- Deixa o gelo - Ele falou, respirando bem perto de mim.
- Não Noah... - Eu puxei o ar pra tentar me focar no meu objetivo - Alguém pode chegar. E, enfim, eu vim buscar o gelo.
- Está bem - Ele se afastou, pegou o saco de gelo com raiva e saiu da cozinha.
Eu parei alguns instantes, me apoiei no balcão com as duas mãos e fiquei hiperventilando. Wow, o que foi isso? Olhei os copos no chão, a maioria quebrados. Eu nem sequer tinha ouvido alguma coisa cair no chão, quanto mais quebrar. Comecei a catar os cacos pra evitar acidentes. Organizei os copos que sobraram, mas, sem perceber, fiquei estática, me segurando numa parede do canto olhando a piscina, pensando no que tinha acontecido segundos atrás.
- Podemos continuar? - A voz falou pertinho do meu ouvido, e um arrepio subiu pela espinha. Me virei pra ele.
- Continuar? Você que sabe... - Um lado desconhecido e provocativo me dominou. De qualquer modo, eu não tinha como sair, atrás de mim a parede, na minha frente Noah, dos dois lados os braços dele impedindo minha passagem.
E começou tudo de novo. Alguém ia entrando na cozinha, quando Noah, rapidamente, me deixou no canto e achou alguma coisa pra disfarçar. Era Rachel. Pelo menos.
- Ops, atrapalho alguma coisa? - Ela perguntou, já ensaiando um sorriso.
Eu comecei a sentir meu rosto esquentar. Tinha certeza que estava vermelha. E ofegante também, entregando tudo. Noah passou a mão no cabelo, respirou fundo e respondeu:
- Não, não, tudo bem.
- Só vim buscar um refrigerante, já estou saindo. - Ela disse e sorriu pra mim.
Rachel saiu da cozinha e Noah sorriu, muito convidativo.
- Cara de pau você, viu? - Eu falei. Ele gargalhou.
- De qualquer modo, eu não sabia quem estava vindo, então... - Ele parou pra me encarar - Você fica muito bem quando está vermelha, sabia?
- Ah não, você também? - Coloquei a mão no rosto - Vou sair daqui, isso não está dando certo...
- Espera Ellie - ele disse quando eu estava saindo da cozinha - Vou com você.
Noah colocou as mãos nos bolsos e foi caminhando comigo pra fora da cozinha. Eu também coloquei as mãos nos bolsos, num gesto inconsciente, que eu notei depois.
Eu realmente estava ficando sem noção. Tinha terminado um namoro na quinta-feira e já estava com outro garoto no domingo. Onde eu estava com a cabeça? Noah sorriu pra mim e eu vi a resposta da minha pergunta. Era ali que minha cabeça estava.
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