Capítulo 34

O segundo dia do festival foi um pouco mais tenso. Tínhamos três músicas pra apresentar, uma cover e duas de autoria própria, o que significava mais esforço e mais perfeição com menos ensaio.

Ellie tinha sugerido que nossa música cover fosse Naive, o que eu achei uma boa sugestão, já que era uma música fácil de ser executada. Resolvemos encaixar o teclado do Dan na música, e isso deu outra vida ao arranjo. As outras músicas escolhidas foram duas do Josh.

Tocamos Naive, Do you know how I feel e quando íamos tocar a terceira música de Josh, o pessoal começou a cantar a minha música! O refrão todo eles tinham decorado, eu fiquei sem saber o que fazer no palco. Tentei me concentrar na programação, mas o pessoal decidiu tocar Kisses of Goodbye, de acordo com o pedido do público.

- Vocês querem Kisses of goodbye? Quem quiser grita... - Eu falei.

Muita gente começou a gritar, coisa que eu não estava esperando. Quando começamos a tocar a música, os gritos ficaram tão intensos que eu estava sem entender se tudo aquilo era mesmo pra a gente. E o público acompanhou a música!

Quando nós saímos do palco a gritaria era intensa. Fiquei imaginando o que minha mãe pensaria se me visse naquele momento. Depois dessa apresentação eu estava quase seguro de que íamos vencer o festival, até que a banda que tocou no ano passado, Call me tonigth, fez uma apresentação arrasadora.

Os caras se vestiram como o Village People e fizeram uma versão de Macho Man muito inusitada, completamente fora dos padrões, sem batidas eletrônicas, com a base principal de bateria e guitarras. Pronto, perdemos, acabou, vamos ficar com o segundo lugar pensei automaticamente. O público delirou com a apresentação deles.

Depois disso, eles tocaram mais duas músicas de autoria própria, uma delas chamada Young, meio depressiva, mas com um bom arranjo, e outra agitada chamada We shook it, com um arranjo muito legal, que era quase uma indireta para as outras bandas.

- Acho que a gente não ganha dessa - Comentei com Dan
- Fiquei com medo também. Eles são muito bons. - Ele disse

Parecia que a angústia era geral na hora de anunciar a banda vencedora. Quando Tom Gardner falou que duas bandas foram bem comentadas entre os jurados, imaginei que fosse a nossa e a tal da Call me tonight. Dava pra ouvir as torcidas na platéia, inclusive pessoas gritando pela nossa banda também, gente que eu nem conhecia.

- Então, com o improviso como uma questão eliminatória, - Minha esperança reacendeu quando ele disse isso - a banda vencedora do festival foi... Blue Blanket!

A comoção foi geral. Ellie e Josh gritaram, Dan ficou atônito, Noah tirou a cara nada entusiasmada que ele tinha passado o dia, e eu simplesmente não sabia direito o que fazer. Olhei pra Beatrice e senti que tinha que dizer algo a ela.

No palco, aproveitei pra agradecer a todo o pessoal tanto da banda, como o público e reafirmar o que eu tinha dito a Beatrice minutos antes. Bom, talvez eu tenha passado um pouco dos limites.

Além do prêmio de quinze mil e o troféu representativo que devia com toda certeza ficar na casa de Ellie, ainda tocamos com os campeões do ano anterior. Ellie desceu do palco, deixando a bateria vaga pra o cara do The Murder.

- Ben, você conhece Under Pressure, do Queen? - Tom me perguntou, quando nos organizamos pra tocar a música surpresa.
- Conheço, muito boa. Mas eu não lembro bem os acordes.
- O tom é ré, a introdução é sol, ré, depois sol, lá, sol de novo e você vê se consegue me seguir no resto, ok?
- Vou tentar.

Como qualquer coisa improvisada, não foi o melhor que podíamos fazer. Mas teve um bom resultado, o pessoal da The Murder soube cobrir bem os nossos erros.

Depois dessa apresentação, Ellie resolveu dar uma festa pra comemorar nossa vitória. Ela deve ter pensado que iriam poucas pessoas, mas a quantidade de gente se escalando pra ir era totalmente oposta ao que ela provavelmente tencionou.

Eu resolvi não me importar, a casa não era minha, a idéia não foi minha e talvez fosse mesmo legal aproveitar o resto do domingo com todo mundo. De qualquer modo, eu e Beatrice estávamos juntos, um exclusivamente fazendo companhia ao outro.

- Gostei muito do que você disse pra mim nos agradecimentos. - Ela falou enquanto conversávamos.
- Depois que eu disse, fiquei pensando se não foi uma postura muito exagerada da minha parte.
- Não, foi lindo.
- Nem pensei se você ia mesmo gostar, só falei o que eu estava pensando. - Ela sorriu - Normalmente não faço isso, mas você me convenceu a mudar meu hábito.
- E desde quando eu tenho esse poder?
- Desde quando eu te olhei a primeira vez. Você está sempre me fazendo mudar de hábitos...
- Seja positiva ou negativamente, não é?
- Prefiro me concentrar nas coisas positivas. Já me concentrei demais nas coisas negativas, isso me impediu de enxergar muitos outros fatores.
- Como o que?
- Por exemplo, que eu sempre fui o homem da sua vida - Ela fez uma cara de "que convencido" e eu sorri - Sim, sim, você que nunca enxergou isso.
- Talvez eu possa discordar...
- Você discorda? - Esperei que ela respondesse negativamente. Ela simplesmente sorriu, nem precisou dizer mais nada.

Ficamos muito tempo conversando sobre essas coisas, quase num universo paralelo, totalmente desligados da festa que estava acontecendo. A única coisa que eu consegui notar foi que algumas pessoas estavam sentadas na beira da piscina, tocando violão, cantando, outras mais afastadas conversando. Ao lado de Beatrice, eu ficava muito... Romântico talvez seja a palavra. Ou talvez grudento. Eu nem sequer conseguia me manter afastado dela. Por causa disso, passamos por um momento constrangedor na cozinha.

Beatrice se levantou e fui atrás dela, não como de costume, mas como eu senti vontade de fazer. Eu nem tinha feito muito lá fora além de conversar porque tinha muita gente, não sabia se ela ia ficar confortável. Comecei a pensar que ela iria embora essa semana e a saudade foi ficando difícil de segurar, mesmo que Bee ainda estivesse na minha frente. Então eu resolvi segurá-la, ao invés de segurar o que eu estava sentindo.

Quando ela se encostou na parede, aproveitei pra diminuir a distância física entre nós dois e fiquei encarando seu rosto por um tempo. Beatrice tinha feições muito doces, linhas firmes e um olhar muito determinado. O contraste do cabelo ruivo com a pele branca a deixava mais bonita. Pra mim ela era totalmente de tirar o fôlego. Era provável que eu sentisse isso por eu sou apaixonado por ela, pra mim não existe garota mais bonita e, bem, os pensamentos sempre levam a ações.

De qualquer modo, foi muito estranho Ellie entrar na cozinha bem na hora em que estávamos nos beijando. Talvez não fosse somente um beijo comum, talvez nós estivéssemos muito comprimidos, amassados, qualquer dessas coisas que não tem muita importância descrever porque o que interessa é que Ellie viu isso. Foi a segunda vez que eu não soube como reagir diante delas duas. Ela também ficou sem graça, deu pra notar pela cor do seu rosto.

Eu fiquei sem saber o que dizer. Tentei pensar em alguma coisa pra falar mas acho que só deve ter saído algum som monossilábico da minha boca. Ellie voltou quando nos viu juntos, claramente envergonhada. Tudo bem, passou... Voltei para onde estávamos antes dessa pequena interrupção.

- Acho melhor parar com isso Ben. - Beatrice falou - Tem milhares de pessoas aqui nessa casa.
- E nós demos a sorte de justamente ser Ellie a pessoa que entrou na cozinha - Eu ri

Brinquei um pouco com Beatrice depois disso, mas ela não gostou muito da minha brincadeira. Chegou ao ponto de me morder e sair revoltada da cozinha. Mas eu não queria brigar, só estava brincando, ela tinha que entender isso. No fim das contas, a gente não brigou mesmo, assumo que a brincadeira foi idiota. Mas eu ganhei.

Era interessante me relacionar com tanta facilidade com Beatrice, mesmo depois de tantos anos de angústia, espera e mágoas. A gente conseguia se entender.

Na manhã seguinte, Ellie resolveu que todo mundo ia acordar à base do barulho. Não sei onde ela conseguiu, mas umas malditas buzinas me tiraram da cama nove da manhã. Beatrice também se empolgou com o barulho. Surpreendente foi ver Dan carregando Rachel nas costas e depois se jogando na piscina. Eles tinham se conhecido na sexta, não foi? Estavam tão próximos...

Tomamos um café e limpamos a bagunça da casa. Eu ia ter que trabalhar à tarde, mas não perdi a cena do fim da manhã. Parecia que todo mundo estava muito inspirado, porque a cada minuto surgia um novo casal. Primeiro Josh com aquela garota que deu o número de telefone pra ele, depois Dan e Rach, agora Ellie e Noah. Eles ficaram conversando um pouco na porta e as meninas ficaram todas na expectativa, pra saber o que ele tinha falado.

Foi um pouco estranho presenciar isso, então eu me coloquei no lugar de Ellie. Eu tinha sido namorado dela por três semanas, imaginei como ela devia se sentir quando me via com Beatrice, que era prima dela. Me senti um pouco culpado. Mas a própria Ellie parecia não se importar, o que me deixava com duas alternativas: ou ela disfarçava muito bem ou ela não estava ligando mesmo.

Pela empolgação das meninas, deu pra notar que alguma coisa tinha acontecido naquela conversa. Rachel comentou sobre um possível passeio, qualquer coisa parecida. Ao que tudo indicava, eles estavam se conhecendo.

Fiquei sabendo depois que eles iam sair juntos na terça-feira. Não que eu estivesse com ciúmes; eu gostava muito de Ellie, mas pra ser minha namorada, só Beatrice. Só era um pouco chato ver aquela agonia das meninas ao redor daquilo. Pobre Kevin, ele devia estar sofrendo mais do que eu por passar mais tempo em casa.

- Cara, eu tô cansando já. Elas só falam disso. Que roupa Ellie vai vestir, onde eles vão, como vão, com que carro vão. Nem a própria Ellie está mais suportando. - Ele desabafou quando eu cheguei do trabalho à noite.

Na terça-feira, fui trabalhar pela manhã, como de costume, e no fim da tarde tive uma surpresa. Eu vi que as garotas estavam alvoroçadas como no dia anterior, mas elas estavam todas concentradas no quarto de Ellie. Pra mim e Kevin foi ótimo, pudemos assistir TV em paz. Natasha e Paula tinham saído, Rachel, Rebecca e Beatrice estavam totalmente concentradas em preparar Ellie para o tal encontro. Era uma coisa de revirar os olhos.

Mas, quando Ellie desceu as escadas, eu e Kev ficamos extremamente surpresos. Eu estava acostumado a sempre ver Ellie de jeans, camiseta, tênis, short, no máximo de biquíni. Ela veio parecendo uma garota. Não que ela não parecesse uma normalmente, mas ela estava parecendo uma garota comum. Comum eu digo, diferente dela, dessas que gostam de usas maquiagem e combinar coisas.

Ellie usava um vestido um pouco acima do joelho, de amarrar no pescoço, cor de rosa. Primeiro eu estranhei a cor, Ellie nunca usava rosa. Depois o modelo, eu nunca tinha visto Ellie de vestido, quanto mais de vestido acima do joelho. O cabelo estava preso na frente e o resto caía pelos ombros. Ellie estava usando alguma coisa mais escura nos olhos, alguma maquiagem.

- Ellie!? - Tanto eu como Kevin exclamamos
- Ficou linda não é? Eu sei, nós fizemos o trabalho - Rachel disse
- Gente, por favor, não me olhem assim, pelo amor de Deus, eu estou me sentindo ridícula...
- Mas é óbvio que você não está ridícula - Rebecca falou.

Eu ainda estava tentando assimilar aquela mudança. Eu sabia que ela não ia ficar daquele jeito pra sempre mas, caramba, ela estava linda. Mais linda do que no dia que eu a conheci.

- O que acharam do cabelo? - Beatrice perguntou. Nem eu, nem Kevin tivemos coragem e responder por que ela estava melhor do que qualquer uma naquela sala. Não pude deixar de pensar que eu nunca tive o privilégio de sair com ela daquele jeito.
- Você está... Esplêndida, Ellie - Foi o que eu consegui dizer - Espero que se divirta... - E que valha a pena, pensei
- Você gostou mesmo? - Ela perguntou. Notei o olhar que Beatrice me lançou.
- Ficou muito bem, quero dizer, diferente.
- É, ficou ótima - Kevin disse, provavelmente porque ele percebeu o olhar de Beatrice.
- Os garotos gostaram, Noah também vai gostar. - Beatrice falou
- É, com certeza. - Rachel disse - Falando nele... - Ela completou quando Noah chegou na porta.

Foi muito estranho presenciar aquilo.

***

Na quarta-feira de tarde, Kevin, Rebecca, Rachel e Bee estavam programados pra ir pra casa.

Eu pensei seriamente e resolvi que iria junto, pra visitar meus pais e contar sobre o festival. De qualquer modo eu precisava aproveitar a parte que me coube do prêmio do festival e pagar a guitarra que eu devia ao meu pai. Além disso, eu não queria mais me distanciar de Beatrice por tanto tempo. Conversei com Jeremy sobre minha viagem e o tempo que passaria fora, e nós decidimos que eu poderia ir de vez em quando ajudar e ganhar uma comissão pelos aluguéis do dia.

Em La Palma, a sensação de realização foi intensa quando meus pais e até Claire me parabenizaram por ganhar o festival. Minha mãe ficou muito surpresa quando apresentei Beatrice como minha namorada, mas foi discreta o suficiente pra me perguntar depois o que tinha acontecido.

- Ben, cadê a sua outra namorada, Ellie? - Eu dei um sorriso sem graça.
- Nós terminamos.
- E desde quando vocês e a filha dos Parker namoram?
- Desde quinta.
- Você não acha que foi um pouco rápido demais, garoto?

Eu contei toda história à minha mãe, que se surpreendeu com a minha incapacidade de falar alguma coisa à Bee, e por ela e Ellie serem primas.

- Elas são primas?! E pra vocês ficarem lá na casa da outra? Não te deu vergonha Benjamin? Eu não te criei pra ser um galinha!

Eu fiquei pasmo com a reação da minha mãe. Realmente, eu não tinha analisado por aquele ângulo. Mais constrangedor foi ser formalmente apresentado aos pais de Beatrice. Na quinta-feira eu fui buscá-la pra dar uma volta comigo à noite. Os pais dela, obviamente, estavam em casa. Eu toquei a campainha e quem me atendeu foi o pai dela.

- Boa noite Sr Parker, Beatrice está? - Perguntei, totalmente constrangido.

O Sr Parker era um homem alto, um pouco grisalho, em boa forma, que aparentava ter no máximo cinquenta anos. Me lembrava que ele tinha um jeito simpático quando o via na rua, mas hoje a expressão dele não se parecia nada com a que eu tinha visto poucas vezes.

- Então, você é o novo namorado de Beatrice, não é? - Ele me perguntou sério. Eu não sabia o que responder. - Filho de Harry da loja de carros... Luke Parker, pai de Beatrice - Ele disse, estendendo a mão. Eu apertei a mão dele e me apresentei.
- Prazer me conhecê-lo senhor, meu nome é Benjamin Smith.
- Entre, sente-se, quero falar com você.

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