Capítulo 29

Fui com o carro de Beatrice até a praia. Talvez ela se sentisse melhor e eu também. No caminho ela ainda disse algumas vezes que a culpa era dela, que ia pra casa, mas eu não achei isso certo. Ela era minha prima, se tínhamos combinado, ela ia ficar lá em casa.

Quando chegamos, fiz questão de deixar claro pra ela que não estava disputando por Ben, mesmo que gostasse dele, e que ele ia escolher. Até aquele ponto eu estava insegura, pensando se eu não ia ser descartada. Era querer demais pensar que ele me escolheria, mesmo por que, quantos anos ele tinha guardado o que sentia por ela em silêncio e continuava sentindo a mesma coisa até hoje? De qualquer modo, a escolha era dele.

Beatrice saiu para caminhar, dizendo que ia ligar para um amigo. Resolvi não ir com ela. Eu com certeza ficaria melhor se continuasse sentada na areia, olhando o mar, como estava fazendo. O problema era que as lágrimas que tinham ficado guardadas durante todo caminho queriam sair. Por que eu tinha que me manter forte? Será que eu também não tinha o direito de desmoronar? Eu estava me sentindo a pedra no caminho deles. E eu não tinha alguém pra falar sobre tudo isso que estava acontecendo. Às vezes eu desejava ter minha mãe por perto, pra me ouvir e consolar quando eu precisasse.

Era bem provável que minha mãe viesse de Boston no início do outono porque as coisas não estavam muito bem entre ela e meu pai. Eles costumavam sempre vir aqui nas férias, saber como eu estava, olhar a casa, os novos moradores. Não fizeram isso esse ano. E eu ainda procurava mais coisas pra me preocupar.

Ficar ali, debaixo do sol quente, não estava me fazendo bem. Quando Beatrice voltou, eu sugeri que voltássemos pra casa. Ela ainda falou um monte de coisas que eu não estava prestando atenção, e eu não queria mesmo falar sobre aquilo.

Ben não estava mais em casa quando chegamos e eu precisava falar com alguém que me deixasse confortável. Talvez Noah não fosse a melhor pessoa, mas eu pensei nele. Não que eu fosse contar todos os meus problemas, eu não era de fazer isso, era só conversar um pouco. Não, aquilo não era o melhor a fazer. Ia ficar quieta, sair um pouco, esfriar a cabeça. Precisava ir ao mercado.

Resolvi ir andando. O mercado não era muito perto, mas era um momento pra pensar sozinha. Noah parecia já me esperar. Era incrível como ele sempre aparecia na porta quando eu estava pra sair de casa.

- Ellie... - Ele me chamou e foi acompanhando meus passos.
- Oi... - Respondi sem ânimo.
- Onde você está indo?
- Ao mercado
- Que cara é essa? Está acontecendo alguma coisa? - Noah perguntou
- Você não precisa se preocupar comigo. Como você está? - Desconversei.
- Ellie... Mesmo que não sejamos melhores amigos, eu acho que conheço você o suficiente pra saber que tem alguma coisa errada. Se não quiser me falar, tudo bem, mas eu vou te acompanhando pra até onde você for, está bem?
- Tudo bem.

Expliquei por alto a Noah a situação complicada do meu dia. Ele sugeriu que na manhã seguinte déssemos uma volta com Beatrice, pra ela conhecer a cidade, afinal era esse o objetivo da visita dela. Eu concordei. Ainda que minha cabeça estivesse confusa, me senti melhor depois de ir ao mercado com Noah. Ele me ajudou com as compras e disse coisas que me fizeram sorrir. Era por isso que eu gostava de conversar com ele.

No outro dia, eu, Bee e Noah saímos pra passear. Ele era um cara simpático, talvez fosse uma boa que eles se conhecessem melhor. Eu saí de casa com o humor péssimo e voltei como se tivesse bebido um monte de Coca-Cola. É, eu estava hiperativa como se tivesse feito isso.

Mas, quando voltamos, me surpreendi de encontrar Ben em casa. Ele me chamou pra conversar, disse que podíamos superar isso, e mesmo que uma parte de mim não acreditasse, eu voltei pra os braços dele como antes dessa confusão.

Na segunda-feira, parecia que tudo tinha voltado ao normal. Ben foi para o trabalho e Noah apareceu aqui em casa me chamando pra ver um filme com ele em casa. Perguntei se Beatrice não queria ir, mas ela preferiu ficar. Nas últimas semanas, antes mesmo de Beatrice aparecer, eu tinha me aproximado muito de Noah, aproveitando o resto de férias que eu ainda tinha. Óbvio que nem todo tempo eu passava com ele, mas nos víamos quase todas as manhãs e nos ensaios à tarde.

No outro dia, aconteceu algo um pouco estranho, ou talvez desconfortável. Eu não estava pensando em ir à garagem da casa do vizinho nessa manhã, mas Ben foi ao trabalho, Beatrice resolveu passear sozinha e eu fiquei sem ter muito o que fazer. Eu não apareci lá do nada, claro, ele me chamou.

- Ellie, pode vir aqui em casa? - Noah me perguntou quando eu apareci na janela do quarto. - Quero te mostrar uma coisa.
- Tudo bem - Eu respondi.

Sempre que ele me chamava pra mostrar algo, era algum livro ou filme bom ou qualquer coisa que ele encontrasse relacionada à trilhas sonoras. Então, imaginei que fosse isso.

Deviam ser uma dez da manhã. Quando cheguei da porta, ele me levou até a garagem e me pediu para entrar no carro.

- O que você quer me mostrar? - Perguntei.
- Eu sei que você gosta de trilhas sonoras e eu tenho encontrado umas músicas bem legais. Quero que preste atenção na letra dessa música.

Ok, assumo que achei um pouco estranho. Quando Noah me mostrava alguma música, normalmente não pedia pra prestar atenção na letra. Uma melodia calma e desconhecida começou a invadir o carro, e ele, sentado ao meu lado, esperava minha reação. Comecei a me concentrar nos intrumentos do começo da música. Guitarra, violino, baixo... Só o começo da música já era dolorido. Em que trilha ele teria encontrado aquela música? Uma voz masculina suave e quase sussurada começou a falar:

Find me here, and speak to me...I want to feel you... I need to hear you Alguma coisa dentro de mim começou a ficar esquisita... Fechei os olhos pra me concentrar na letra e esquecer que Noah estava ali do lado.

You are the light... That's leading me... To the place... Where I'll find peace... Again

Um solo de violão começou mais forte na música. A voz continuou, junto com uma guitarra mais aguda:

You are the strength...That keeps me walking...
You are the hope...That keeps me trusting...You are the life...To my soul...
You are my purpose...You're everything...


Por que Noah me pediu pra prestar atenção naquela letra? Continuei a ouvir a música, que mesmo triste, era intensamente agradável.

And how can I stand here with you...And not be moved by you...Would you tell me how could it be any better than this?

Comecei a me perguntar se deveria continuar ali, ouvindo tudo aquilo, de olhos fechados. Me pedir pra prestar atenção na letra talvez fosse a forma de Noah de me dizer algo.

You calm the storms...And you give me rest...
You hold me in your hands...You won't let me fall...You steal my heart...And you take my breath away...Would you take me in...Take me deeper, now...And how can I stand here with you...And not be moved by you...Would you tell me how could it be any better than this?


Fui ouvindo todo o resto da música, mas já com uma sensação terrível de nervoso. Comecei a sentir meu rosto esquentar, não sabia se queria chorar, talvez eu estivesse meio corada. Noah começou a acompanhar displicentemente as frases finais da música. Mantive os olhos fechados com força, até acabar.

- Muito bonita. - Eu disse, sem querer abrir os olhos.
- Sempre que eu ouço, não consigo não pensar em você - Noah falou. Eu abri os olhos, mas não quis olhar pra ele e fiquei encarando a rua. - Eu tenho ouvido muito essa música...

Será que era pouco passar tudo o que eu já estava passando? E Noah, não entendia que eu tinha alguém? Respirei um pouco dentro do carro, mas o cheiro de Noah começou a me deixar sem saber bem o que fazer. Eu não tinha percebido até ali, mas o braço dele estava ao redor do meu ombro.

- É, muito bonita mesmo. Como é o nome da música? - Perguntei, dando um pouco de espaço entre nós.
- Everything. Lifehouse. Se quiser baixar... - Ele falou, chegando o rosto pra perto.
- É, acho que vou fazer isso. Tenho que ir agora. - Abri a porta do carro e escapei pra fora.

Caminhei com passos rápidos pra casa, sem querer olhar pra trás. Subi correndo as escadas e me joguei na cama. A música ficou ecoando na minha cabeça. Eu precisava ouvir de novo, pra que todas aquelas palavras fizessem sentido. Baixei a música e programei o Ipod pra repetir. Ouvi várias vezes. Eu não conseguia acreditar no que a música dizia, no que Noah provavelmente estava querendo dizer.

Ben chegou e eu ainda estava lá, ouvindo a música várias vezes. Por mais que eu não fosse mais na casa dele, ainda teria que ver Noah nos ensaios pelas próximas tardes. Ruim era sentir que eu queria mesmo vê-lo depois daquilo, talvez pra acreditar que ele existia.

Por que era difícil aceitar que ele estivesse ali, todo tempo, do outro lado da rua, e eu nem sequer sabia da sua existência. Eu estava sentindo a dor de não saber o que fazer. Eu estava com alguém que sentia dúvida tanto quanto eu e que provavelmente nem sabia se queria mesmo ficar comigo. E eu gostava de Ben, sabendo que poderia ser partida ao meio se ele decidisse me trocar por Beatrice. Não precisávamos ter levado isso tão a sério.

À tarde, ensaiamos um pouco, quase em stand by, por que já tínhamos repetido tanto aquelas músicas que elas fluíam.

Na quarta, consegui convencer Beatrice a ver um de nossos ensaios. Faltavam só três dias para o festival, eu queria que alguém de fora visse o que estávamos fazendo. Ela se divertiu muito com os meninos, mas teve um momento que eu me arrependi de tê-la chamado. Foi quando tocamos Kisses of Goodbye a música que Ben escreveu pra ela.

Josh, que vinha fazendo a segunda guitarra nos últimos ensaios, resolveu que iria acompanhá-la, só assistindo. O surpreendente foi que ela ouviu toda a música e pareceu não notar que era pra ela. Nem eu era tão desatenta. Mas, já que ela não tinha ficado nem um pouco estranha com aquilo, não era eu que ia falar alguma coisa.

No outro dia, Ben me levou ao Descanso Gardens, dizendo que precisava conversar comigo. Eu fiquei apreensiva, já esperando pelo que vinha a seguir. Fomos o caminho todo em silêncio.

- Então Ben, o que você quer dizer?
- Ellie, eu não posso ficar me enganando e muito menos enganar você. - Eu estava um pouco sorridente até aí, quando minha expressão deve ter mudado de fogo pra gelo.
- Dá pra você ser direto? Estou ficando com medo. - Eu sabia o que ele queria dizer, mas preferia que ele falasse logo.
- Eu não posso continuar namorando com você. Eu amo Beatrice. Eu sei o quanto você é especial e como você tem me apoiado todo esse tempo. Me desculpe, por favor. - Eu fiquei paralisada, tentando entender aquilo - Eu estava disposto a levar isso adiante, mas hoje eu conversei com Beatrice e vi que cometi os piores erros durante esses três últimos meses. - Erros?
- Então... Eu me encaixo na categoria dos erros? - Eu estava nesses três meses.
- Não, nunca, você foi meu único acerto. Mas eu nunca deixei de amar Beatrice, mesmo que eu goste de você.
- Tudo bem, eu entendo, "gostar" não é "amar". Eu disse que o que você escolhesse eu ia aceitar, sendo ou não ao meu favor. Eu não devia ter permitido isso, eu sabia que você era apaixonado por ela, antes mesmo de saber que era minha prima. Não vou dizer que estou me sentindo a pessoa mais feliz do mundo. Mas, é a vida.
- Me desculpe Ellie, por favor. - Ele praticamente implorou. Mas eu entendi que ele estava tirando a pedra do caminho.
- Não tenho o que desculpar. É claro que eu estou triste, mas estou tentando aceitar. Era isso que você tinha pra me dizer? - Perguntei, tentando ser fria.
- Eu não vou mais te incomodar, vou sair da banda, devo voltar à La Palma.
- Ben, não estrague seu futuro por causa disso. Nós não chegamos a namorar sequer um mês, você tem a universidade, e o festival é sábado agora. Independente de mim e de você, pense nos outros garotos, as expectativas deles com relação ao festival. Não seja egoísta. E, por mim, não tem problema que você fique lá em casa, até conseguir outro lugar, se quiser mesmo ir.
- Ellie, vou me sentir culpado toda vez que olhar pra você.
- Não deveria. Eu disse que isso não precisava ser sério, foi você que escolheu. Se quiser ir pra minha casa, tudo bem. Não vou com você, vou passear um pouco pelo jardim.
- Aqui não é muito longe pra você ficar só? Como você vai voltar? Está sem carro.
- Eu moro aqui Ben, sei me virar. Não se preocupe com isso.

Ben parecia não acreditar na minha reação. Eu mesma não estava acreditando que aquelas palavras estavam saindo da minha boca. Ele foi embora, atendendo ao meu pedido e eu simplesmente não sabia o que fazer. Coloquei a cabeça entre os joelhos e comecei a chorar.

Ele só está fazendo o que o coração dele quer... Você disse que não precisava ser sério... Você disse que ia aceitar qualquer escolha que ele fizesse... Ele não te escolheu... A voz na minha cabeça não parava de me lembrar o que eu queria esquecer. Eu nunca deixei de amar Beatrice, mesmo que eu goste de você...

Todas aquelas palavras me deixavam mais e mais perto do fundo do poço. Aquela era a confirmação de que eu só tinha sido um contratempo pra eles, que eu não servia pra ninguém.

- Ellie... - A voz imponente e suave que eu tinha aprendido a gostar falou comigo. Eu estava sonhando? - Ellie, não posso deixar você ficar aqui, desse jeito. Pode vir comigo para o carro? - Levantei o rosto molhado de lágrimas pra encarar a voz
- Noah? - Olhar pra ele era como encontrar uma corda que me puxasse pra cima - Como você me achou?
- Eu vi que vocês saíram ainda cedo e que ele voltou sozinho. Eu achei estranho vocês não voltarem juntos. Te procurei na praia e você não estava. Pensei que você poderia estar aqui. Tenho quase meia hora andando. Vamos pra casa, é quase noite.

Eu não queria me levantar de onde estava. Noah sentou-se ao meu lado, passou os braços fortes sobre meu ombro e me abraçou. Era um abraço confortante, calmo.

- Vamos pra casa - Ele disse no meu ouvido.

Me levantei e entrei no carro dele. Se ele não me observasse tanto talvez eu ficasse aqui, perdida, sozinha e triste até a minha morte.

Ele respeitou meu silêncio na viagem, não puxou nenhuma conversa, mas começou a cantarolar enquanto dirigia voltando pra casa, talvez pra me acalmar. Fechei os olhos pra prestar atenção na música que ele cantava.

- What day is it and in what month... This clock never seemed so alive. I can't keep up and I can't back down. I've been losing so much time... - Eu achava que conhecia aquela música. Na verdade, parecia que ele estava cantando pra mim - Cause it's you and me and all of the people with nothing to do, nothing to lose and it's you and me and all of the people and I don't know why I can't keep my eyes off of you... Se importa se eu ligar o rádio? - Ele perguntou.
- Não, tudo bem. - E ele colocou essa música.

O resto da letra dizia: All of the things that I want to say just aren't coming out right I'm tripping on words, you got my head spinning I don't know where to go from here... Something about you now I can't quite figure out. Everything she does is beautiful... Everything she does is right

Eu comecei a querer chorar de novo. Todo tempo Noah tentava mostrar que gostava de mim e queria ficar comigo, mas eu não queria enxergar... Nem sequer conseguia parar de pensar em Ben.

Noah foi ouvindo outras músicas no caminho, a maioria com letras tão tocantes quanto a que ele me mostrou na garagem. Notei que o display do rádio escrevia meu nome sempre que mudava de música. Imaginei que fosse um cd com as músicas que ele achou que eu iria gostar. Noah me deixou em casa, sem sequer forçar a barra pra nada.

Não encontrei Ben em casa, mas Beatrice estava sentada no sofá, me esperando chegar. O que ela queria mais? A expressão dela não se comparava à felicidade, satisfação ou sensação de vitória, nem chegava perto disso. Estava mais para dor, talvez como a minha. Subi para o quarto e ela veio logo em seguida. Bateu na minha porta e disse:

- Talvez eu também não seja a melhor pessoa pra te consolar agora, mas pelo menos eu vou tentar fazer isso.

Eu não estava com raiva dela ou de Ben, mas raiva de mim por ter permitido que tudo chegasse àquele ponto. Eu sabia de tudo, desde sempre, de todos os riscos, por que me atrevi a tentar driblar isso?

Tomei um banho e me joguei na cama. Beatrice fez como minha mãe faria, ou minha melhor amiga de infância mesmo. Mexeu no meu cabelo, me cobriu. Talvez aquela fosse a forma dela se redimir, ou talvez ela só se sentisse impelida a fazer aquilo. Não me disse uma palavra sobre Ben, nada, nem pra onde ele tinha ido. Coloquei os fones do Ipod no ouvido e repeti a música que Noah havia me mostrado até pegar no sono.

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