O LIVRO de Bárbara #05

Sexta-feira, 17 de julho de 2009

Ah, sexta-feira, dia triste. Sempre que penso que devo me afastar de Felipe por dois dias alguma coisa lá dentro do meu peito fica incomodada...
Não comentei que ele agora pega no meu pé pra que eu participe da educação física. Apesar de não gostar de mostrar, eu sou boa no vôlei. Ele descobriu na segunda-feira. Desde então, acha que sempre devo treinar com ele, que devo entrar pra o time da escola. Quando é que Felipe vai entender que só me sinto bem com ele e mais ninguém?
Eu me acho errada por isso, mas é a verdade. Às vezes ainda penso que se minha mãe estivesse aqui as coisas seriam muito melhores. Não ia ter nenhuma Lilian pra tirar meu pai de dentro de casa.
Sim, eu estou com ciúmes. Mas meu problema é que, quando ele não está com ela e não está trabalhando, ele está falando com ela ou falando nela. É assim que as pessoas apaixonadas e correspondidas devem se comportar? Tenho cá minhas dúvidas. Se eu fosse correspondida não sei se agiria assim. Mas, acho que não sou uma pessoa apaixonada. Ou sou?
Não sei. Estava relendo esse diário e observei uma coisa: quando não estou falando sobre Felipe, falo sobre como gostaria de estar com ele ou o que acho dele. Esse diário é mais sobre ele do que sobre mim.
Não faria mal se eu fizesse uma descrição detalhada de como o enxergo agora. É melhor do que a dois meses atrás.
Ele é mais alto que uns 10 ou 12 cm, tem um cabelo castanho meio liso que nem sempre fica penteado. E ele tem uns olhos castanhos também, e um sorriso legal. Acho que ele já usou aparelho. Eu também já usei, isso não vem ao caso. E eu gosto das mãos dele. E ele tem uma voz interessante. E um riso que me dá vontade de rir. Mas nada é tão importante como a personalidade dele. Eu nem sei descrever.
Ele é tão atencioso e especial. Eu sou a planta. Ele é água, luz e calor.


Eu fiquei pasmo com a descrição que ela fez de mim. Porque eu não conseguia enxergar nada disso quando estava escovando os dentes de manhã? Aliás, eu nunca conseguia enxergar tudo isso.

Segunda-feira, 20 de julho de 2009...Tentei voltar a ler, mas meus olhos estavam ficando pesados.

Deitei na cama com o diário aberto sobre o peito, e comecei a olhar para o teto. Fechei brevemente os olhos... Uma moça de cabelo preto caminhava na minha frente... Era o cabelo mais brilhoso que eu já tinha visto... Ela se virou e meus olhos se focaram nos dela, aquele castanho indefinido e profundo, tendendo para um marrom denso. Meus olhos foram descendo pela face dela, primeiro encontrando o nariz fino e perfeitamente desenhado e depois a boca bem delineada. Ela esboçou um sorriso. Bárbara... eu tentei falar, mas a voz não saía. Bárbara... Ela virou as costas e começou a se afastar. Felipe... Eu a ouvi chamar... Felipe... mas a voz não parecia a dela. Felipe, você está dormindo?

- Ahn? Hein? - Era minha irmã mais nova, Sofia. - O que foi?
- Tava dormindo? - Ela perguntou, a cara da inocência.
- Não - Eu respondi, a cara do ódio. Que raiva dela naquela hora.
- Minha mãe disse que era pra te chamar porque você precisa comer alguma coisa. Já tem quase três horas aqui no quarto.
- Eu não estou com fome. - Olhei para o relógio no pulso: nove e meia. Eu tinha um bom tempo lendo. Meu estômago roncou.
- Não está com fome? Tem certeza? - Porque pessoas aos 10 anos se acham com a razão? A fome era minha, eu faria com ela o que quisesse.
- Ah, tá, certo. Desce que eu já estou indo. - Como é que eu tinha pegado no sono lendo aquele diário? Minutos antes eu estava sem sono. Coisas que eu não conseguia entender...

Desci rápido, peguei um pão de forma, coloquei queijo e presunto e joguei no grill da minha mãe. Enquanto ele esquentava, bati uma vitamina de abacate, peguei alguns biscoitos e coloquei num prato com o espaço para o futuro misto quente. Esperei mais um tempo, coloquei o sanduíche no prato e já estava subindo as escadas quando notei que não tinha ouvido nada que minha mãe estava dizendo.

- Vai me deixar falar sozinha rapaz? Foi essa educação que eu te dei Felipe? - Eu odiava quando ela fazia isso.
- E agora é seu costume ignorar sua mãe? Bom saber disso. Deve estar achando que só porque já tem mais de 1,80 é dono da própria vida. - Pronto, meu pai fazendo sua intervenção.
- Eu só... Estava tentando estudar, então, preciso comer lá no quarto. Desculpa mãe, desculpa pai, boa noite pra vocês.
- É assim?
- Deixa lá Camila, depois eu me acerto com ele.

Ignorei completamente o resto da conversa. Subi correndo as escadas, coloquei o prato em cima da escrivaninha e me sentei pra continuar a leitura. Quanto mais rápido eu conseguisse terminar esse diário, mais rápido eu descobriria onde Bárbara estava. Mas, algumas perguntas não paravam de martelar em minha mente. Quem, além da própria Lilian, poderia querer sequestrar Bárbara e com que objetivo? Como esse diário veio se parar na minha caixa de correio? E porque foi entregue a mim?

Abri novamente o diário, na página que eu tinha parado e, tentando enrolar a fome com o misto, retomei minha leitura.


Segunda-feira, 20 de julho de 2009

Acordei às sete da manhã, com o sono sobressaltado. Eu estava sonhando com Felipe de novo. Mas eu não vou falar sobre ele. Então eu levantei da cama, tomei um banho, depois um café, assisti TV... Acho que esses são detalhes dispensáveis, faço isso toda manhã. Me arrumei para a escola, peguei um ônibus e presenciei um assalto. Terrível como as coisas estão ficando violentas hoje em dia. Terrível como me lembrei da minha mãe. O rapaz entrou no ônibus, acompanhado de mais dois. Eles anunciaram o assalto e começaram a roubar aqueles mais espalhafatosos que costumam ouvir música no ônibus, etc. Levaram relógios, bolsas, celulares, dinheiro do cobrador. Algumas pessoas sorteadas não tiveram seus pertences roubados. Eu fui uma dessas pessoas.

Era repugnante como eles achavam que a arma dava poder a eles. E eu comecei a querer chorar. Minha mãe poderia ter passado por isso também. O pior é saber que ela levou um tiro porque pediu de volta a carteira que tinha uma foto minha dentro. Eles pensaram que ela havia pedido o dinheiro de volta e começaram a atirar. Ela ficou em coma por uma semana e morreu.

Eles sairam do ônibus e eu fiquei totalmente perdida. Não sabia mais para onde queria ir. O ônibus não pôde seguir viagem, já que o cobrador e o motorista deviam fazer uma queixa do assalto. Eu já estava perto da escola, fui caminhando.

Felipe é o único que sabe o que aconteceu. Ele que me ajudou a entrar na escola, que me ofereceu água quando eu caí no choro, que me deixou encostar no seu ombro quando eu estava em desespero. Não contei ao meu pai. Não sei se tenho forças pra pegar outro ônibus amanhã.

Não posso fingir que me senti infeliz quando estava abraçada a ele, vendo seus esforços de tentar me acalmar. Hoje eu contei sobre a morte da minha mãe. Talvez ele me entenda melhor agora.


Quarta-feira, 22 de julho de 2009

Quando não acontecem mais coisas interessantes na sua vida, você ainda pensa em escrever? E quanto tudo se resume a uma única pessoa? Eu acho que continuar a escrever sobre Felipe não vai me levar a lugar algum, exceto ao precipício. Portanto, me proibi de escrever sobre ele. Este livro vai ser uma coisa monótona.

Fiquei com raiva dele hoje. Ouvi uma das meninas da sala comentar que já tinha ficado com ele. Mas que droga. Parece que as coisas estão todas dando errado pra mim agora.

E ele nem me disse nada. Mui amigo. Mas tudo bem, eu não me importo mais. Eu vivi sem ele antes, não vou morrer sem ele agora. Eu acho.


Eu não acreditei ao ler essa parte. Eu não sabia que ela gostava de mim, ela nunca disse, eu sempre me achei sem chance e daí eu tenho que ficar esperando por ela a vida toda? Mas o pior de tudo é saber que eu nem tive nada com a menina mesmo e ela nem sequer me perguntou! Ainda queria que eu contasse o que não aconteceu.

Domingo, 26 de julho de 2009

Fim de semana inesperado. Meu pai inventou de visitar um sítio com Lilian e Lucas. Eu não tive nenhuma vontade de ir. Incrível como esse menino age com meu pai. E como meu pai o trata. Por isso que minha avó diz que o filho do homem é o filho da mulher com quem ele está. Meu pai passa mais tempo com esse guri do que comigo. Ok, eu vou me acalmar.

Essa semana Felipe percebeu que eu estava estranha com ele. Me perguntou porque, se ele tinha feito alguma coisa. Minha vontade foi responder que sim, mas a partir do momento que eu não sou nada dele além de colega de sala, não devo maiores explicações nem preciso sentir ciúmes. Ficamos sem nos falar direito na quinta e na sexta-feira. Como eu nunca falo com ninguém, isso não foi estranho. Ou talvez tenha sido porque eu deixei de falar com a única pessoa que fala comigo.

Eu já respirei mais calma hoje. Não vou ficar sem falar com ele, eu não tenho nada a ver com isso, certo? Se ele quiser ter uma namorada, eu não vou poder impedir sem dizer o que tem aqui dentro. Como eu prometi morrer guardando isso...


Segunda-feira, 27 de julho de 2009

Hoje Felipe me pediu desculpas. "Pelo quê?" eu perguntei bem dissimulada. "Sei lá, qualquer coisa que eu tenha feito que deixou você revoltada, você nem quer falar comigo direito!". Por dentro eu estava muito feliz. Por fora, impassível. Mesmo sabendo que sob circunstâncias normais ele não tinha feito nada contra mim, eu me senti feliz com o pedido formal de desculpas.


Definitivamente, Bárbara era a menina mais estranha que eu poderia conhecer. E sádica. Eu cheguei a essa conclusão uns meses atrás, mas esse diário era a maior prova. O grande problema era que, estranha como fosse, eu não conseguia me afastar dela. Tinha alguma coisa que me fazia voltar sempre ao mesmo ponto, correr, correr, e sempre voltar pra ela.

Me lembrava bem desse momento que ela ficou sem falar comigo. E meu desespero era algo parecido com "eu vou morrer agora ou daqui a dez minutos?", "porque ela está me ignorando?" e ela simplesmente não respondia direito nenhuma das minhas perguntas. Era sempre "talvez", "não sei", "tá", revoltante.

Eu cheguei à situação ridícula de pedir desculpas pelo que eu nem sabia que tinha feito. Ou pelo que eu não tinha feito. Mas ficar zangado pelas loucuras de Bárbara quase um ano depois não me levaria a lugar nenhum. Não me mostraria onde ela poderia estar nesse momento. Eu precisava prosseguir na leitura e terminar o diário mais rápido que pudesse.

Comentários

  1. Poxa, esse fim do capítulo foi completamente igual eu e algm num passado não tão distante assim

    eu sou meio Bárbara às vzs
    estranha (sempre)
    ciumenta mesmo doq nn me pertence
    e até meio emo

    U_U

    esperarei ateh sexta Rach

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