O LIVRO de Bárbara #07

Segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Hoje meu pai disse para onde pretende ir no feriado de 7 de setembro: Paris. Eu acho que é brincadeira. Enquanto ele não me mostrar as passagens, não vou acreditar. Pra quem saiu poucas vezes da própria cidade, sair do país é muito além da realidade. Eu nem tenho passaporte!
Parece que vou começar o curso de inglês na próxima semana. Hoje meu pai trouxe aqui em casa uma senhora chamada Tereza, que vai trabalhar como empregada doméstica. Ainda acho que não temos necessidade disso, mas parece que ele quer algum motivo para gastar.
Ultimamente, minha preocupação tem sido de onde meu pai está tirando esse dinheiro. Eu estou com vontade de procurar os contra cheques dele pra saber ele foi mesmo promovido. Ainda me parece muito estranha uma ascensão tão repentina.

Terça-feira, 18 de agosto de 2009

Eu estava sem novidades com relação a Felipe esses tempos. Mas parece que ele faz questão de participar ativamente na minha vida. Está bem que eu gosto de falar sobre ele, mas estava tentando me dar uma folga.
Hoje ele me mostrou uma música com meu nome. É interessante isso. Na verdade, a letra não tem muito a ver comigo. Mas é uma música legalzinha. É do Los Hermanos, uma banda que Felipe gosta. Eu peguei a letra:

Há muito uma menina vem maltratando o coração de um amigo meu
Eu acho que ela também já chorou mas também acho que já se esqueceu
Por que pisar num coração que ama e deixar ele sozinho
Sabendo que sua vida mais que tudo necessita de carinho?

Então eu imploro

Oh Bárbara
Não maltrate meu amigo
Pois eu sei que seu coração só pensa em
Bárbara
não maltrate meu amigo
pois eu sei que seu coração só pensa em ti

Já alertei a ele de todos os jeitos todo seu perigo
Já disse que um dia dessa relação ele sairá ferido
Já contei tragédias e mentiras a seu respeito
Sei que o amor é cego e meus conselhos são sem efeito

Mas mesmo assim imploro

Oh Bárbara
Não maltrate meu amigo
Pois eu sei que seu coração só pensa em
Bárbara
não maltrate meu amigo
pois eu sei que seu coração só pensa em ti

Aí eu me pergunto: o que fez ele pesquisar uma música com meu nome? E, se essa letra tem mesmo a ver com alguma coisa, quem é esse amigo? Felipe às vezes me intriga.

O amigo era eu. Não sei bem porque mostrei essa música pra ela. Na verdade, fiquei mais de uma semana ouvindo e repetindo essa música, aprendi a tocar e tudo.

Todo dia eu parava na frente do espelho e dizia que não ia dar certo e que Bárbara não estava nem aí pra mim, mas eu não conseguia acreditar em mim. Nem conseguia me afastar dela. Um dia, sem muito o que fazer na internet, pesquisei o nome Bárbara. E a primeira coisa que apareceu foi a letra dessa música. Eu gosto de Los Hermanos, achei interessante ver que música era aquela. E quando eu li a letra parecia que um amigo meu qualquer estava falando de mim pra ela. Comecei a ouvir sempre.

Nesse dia eu cheguei mais cedo à escola e estava ouvindo essa música quando ela chegou na sala. Eu não consegui segurar o riso.

- Oi Felipe! Está ouvindo o que? – Ela me perguntou
- Ouça – eu falei – Se chama Bárbara.

Bárbara tomou o fone que eu ofereci e começou a ouvir a música. Disse que era legal e pediu pra copiar a letra. Por dentro eu conflitava entre o arrependimento de mostrar a ela o que eu estava ouvindo e a vontade de que ela entendesse a mensagem por trás da letra. Pela expressão serena dela, não imaginei que ficaria com isso na cabeça.


Quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Eu fiz algo que não devia fazer. Abri o e-mail do meu pai. Não consegui conter a curiosidade. Achei muito estranho que ele não tivesse mudado a senha. E descobri coisas novas sobre a origem do dinheiro. Pelo que parece é de outra firma ligada ao governo. Não lembro bem o nome. Os e-mails não tinham muitas informações concretas. Havia um pedido do número da conta do meu pai e uma resposta com agradecimentos da parte dele.

Estou começando a desconfiar que meu pai possa estar metido com algum sistema corrupto. Fiquei com bastante medo disso. Parece que ele não está pensando tanto no futuro assim. Se ele for descoberto? Além de sem mãe, eu vou ter um pai na cadeia. O pior, a imagem de homem honesto que eu fazia dele está começando a se desmoronar. Espero que as coisas não sejam mesmo do jeito que eu estou entendendo.


Sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Já tinha um tempo sem escrever alguma coisa aqui. Mas tirei a semana para investigar um pouco mais as minhas desconfianças sobre meu pai. Notei que ele recebe telefonemas sérios no fim da noite quase todos os dias. Dei um jeito de reativar a extensão do telefone que tem no meu quarto, e colocar o som do telefone bem baixo, pra que ele não ouça do gabinete, onde ele normalmente atende às ligações. Ainda não consegui ouvir o que ele conversa.

A moça que trabalha aqui acha estranho que eu passe a manhã quase toda trancada no quarto, mas é o momento que eu tenho pra raciocinar com as informações que estou conseguindo juntar.

Quando ele passa a noite fora ou sai com Lilian, aproveito pra dar uma olhada no computador dele. Como o meu perfil foi o administrador, tenho acesso às informações do perfil dele, o que é uma coisa boa. Já achei outros recibos e algumas planilhas orçamentárias com um preço muito acima do normal.

Sei que estou passando dos limites de privacidade, mas acho que é bom me prevenir com o que pode acontecer. Decidi não falar nada com ninguém.



Bárbara estava desconfiando do próprio pai. Me pergunto se, com aquela cara de pessoa certinha, politicamente correta e honesta, o pai dela teria mesmo coragem de se meter em alguma enrascada corrupta. Sei lá, ele tinha uma filha pra zelar, será que não estava mais pensando em como as ações dele influenciariam a vida dela?


Terça-feira, 1º de setembro de 2009

É verdade! Nós vamos à Paris no feriado! Meu pai saiu comigo sábado pra ajeitar meus documentos e fazer um passaporte. Eu estou pasma com isso. Que ideia revolucionária! Eu sempre quis conhecer Paris, meu deus, nem sei dizer como eu feliz. E as passagens já estão com a gente, eu vou passar três dias lá!

Eu e Lilian estamos muito animadas com o passeio. Apesar de nem sempre ser simpática com ela, eu resolvi dar uma trégua pra que viajemos em paz. O filho dela não vai. Estamos pensando em comprar roupas por lá, porque todo mundo sabe que Paris é a cidade da moda. Estou muito ansiosa.

Quinta-feira, 2 de setembro de 2009

Fiquei pensando sobre essa viagem a Paris. Será que meu pai não está pensando em me tapear pra que eu não preste atenção no que ele pode estar fazendo de errado? Sei lá, às vezes imagino isso. E de onde surgiu o dinheiro pra comprar passagens pra três, além de roupas, malas, hospedagem por três dias, estou achando tudo muito estranho. É verdade que eu fiquei feliz com a história da viagem, mas eu não devo perder meu foco. Tudo isso ainda é bastante estranho...


Terça-feira, 08 de setembro de 2009

Vou fazer um resumo da nossa viagem. Foi tranquila, pacífica e eu realmente gostei de conhecer Paris.

Saímos sexta-feira de noite e voamos até Paris. Teve escala. O tempo de voo foi de quase 14 horas e por causa dos fusos horários, fiquei um pouco perdida em ver que era muito mais tarde do que pensei que chegaríamos. Chegamos ao aeroporto Charles de Gaulle quando meu relógio de pulso marcava dez horas e lá já eram duas da tarde do sábado. Pensei em como perdemos tempo só nesse voo. O bom era que, na volta, eu chegaria mais cedo no Brasil, podendo sair mais tarde.

Ficamos hospedados num hotel normal, perto do centro. Nós comemos alguma coisa e saímos pra ver a cidade. Meu pai e Lilian pareciam dois adolescentes, muito deslumbrados. Meu pai contratou até um tradutor temporário pra nos acompanhar, já que nenhum de nós fala francês.

Passei de táxi pela Champs Elysées. Nós fizemos um tour de bicicleta à noite, vi a catedral de Notre Dame e como ela parece mágica, além de sentir o frescor do Rio Sena e ver a melhor parte: a Torre Eiffel. Ver os vitrais da catedral me lembrou de quantas vezes eu tive pena de Quasímodo ao assistir o corcunda de Notre Dame, e como eu me sentia como ele às vezes. Eu insisti que subíssemos os inúmeros degraus pra ver as gárgulas góticas que faziam companhia ao corcunda. Mesmo cansados, valeu.

A ponte que passa pelo Rio Sena tem gravada uma enorme letra N de cada lado, parecendo um emblema. As pessoas descem as escadas e sentam-se na beira do rio, que é muito bonito. Na torre há alguns restaurantes, mas a melhor parte é a vista. A fila que pegamos foi imensa, mas lá em cima parece que a luz entorpece os sentidos e você esquece o sofrimento da fila.

Do alto da Torre Eiffel eu pude ver a cidade luz toda. O Rio Sena corta a cidade, ornado pelas luzes dos prédios ao redor. A torre em si tem um tom meio alaranjado, amarelado, ou algo parecido. Uma das pontes que atravessa o rio é iluminada com luzes azuis, verdes e amarelas. Além disso, ver o Palais de Trocadéro de lá do alto da torre e como as ruas tem uma harmonia de linhas entre os prédios, misturado às árvores é magnífico.

O corrimão de madeira do último andar é todo rabiscado com diversos nomes e o chão parece de ônibus. Eu não consegui me controlar e cometi um delito: com a ponta do meu brinco, escrevi meu nome no corrimão. E olhando pra cima, dá pra ver a profusão de luzes amarelas que marcam o ponto mais alto da torre em contraste com o céu azul estrelado. Era tudo tão lindo. Nós três tiramos fotos de tudo o que tinha pela frente.

Visitei o Arco do Triunfo e vi o museu que tem dentro dele. Acendem todos os dias uma chama para o Soldado Desconhecido. Fica tudo muito lindo. Não é de admirar que chamem Paris de "Cidade Luz". Também não é surpreendente que as pessoas de lá mostrem tamanha cortesia, que sejam tão alegres e inspiradas artisticamente.

No domingo conhecemos algumas boutiques, lojas de roupa, sapatos e perfumes. Tudo é de tanta classe. As pessoas que andam nas ruas são extremamente elegantes.

Foi um passeio inesquecível. Eu espero poder voltar à Paris um dia. E pela falta de tempo, nem pudemos visitar tudo. Foi só um aperitivo.

Voltar à minha realidade na segunda-feira antes do almoço foi acordar de um sonho bom e notar que sua casa está uma bagunça. Numa loja de souvenires no aeroporto, comprei um chaveiro com uma pequena Torre Eiffel, algumas camisas com dizeres sobre Paris pra levar de presente. O chaveiro já tinha dono.

Pegar outro voo com escala que durou 14 horas e chegar aqui oito da noite totalmente exausta foi péssimo. O mais interessante foi notar que eu tinha ajustado o relógio para o horário de Paris e quando chegamos o relógio marcava meia noite. Espero poder voltar lá mais vezes.


Me lembrava bem da volta de Bárbara de Paris. Ela estava muito animada pra me contar as coisas que viu por lá. Contou com detalhes, assim como escreveu, todo brilho do lugar.

- A cidade é extremamente romântica. Passeando de bicicleta, me lembrei daquela música que toca no filme Anastácia: "Paris é lugar de l'amour" - Sorri com a lembrança dela.
- E você visitou Notre Dame? Tinha um corcunda por lá?
- Não, bobo. Mas é linda. Aliás, tudo lá é lindo.
- Que inveja de você.
- Não precisa. Trouxe um pedaço de Paris pra você.
- Trouxe na bolsa um pedaço de Petit Gateau? Eu acho que a essa altura já deve ter dado formigas. - Ela sorriu com minha piadinha.
- Petit Gateau não foi criado na França. - eu fiz uma careta com a observação dela - Falando em comida, provei o melhor sorvete do mundo na Berthillon.
- Sim, só porque provavelmente eu nunca vou conhecer Paris na vida, você não precisa ficar se exibindo.
- Abra - Ela me estendeu uma caixa de presente.

A caixa era pequena, prateada, com um laço azul e era pesada. Dentro dela tinha um chaveiro da Torre Eiffel. Muito bonito por sinal. Bem trabalhado.

- Pensei que o pedaço de Paris era alguma coisa comestível.
- Acho que você devia me agradecer. Eu lembrei de você. - Ela falou, séria. Fiquei sem jeito.
- Obrigado.
- Por nada. Espero que lembre de mim nas suas viagens também.

Era incrível como Bárbara podia me deixar sem graça com uma simples frase. Não sei se ela tinha noção disso, mas não havia nada pior do que quando eu dizia alguma coisa idiota e ela me encarava séria.

Ao ler esse trecho do diário, me perguntei de onde o pai dela havia conseguido a grana pra uma viagem tão dispendiosa. Continuar a ler o diário era a peça fundamental para desvendar o quebra-cabeças que a história de Bárbara estava se tornando em minha mente.

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