O LIVRO de Bárbara #09

Já passava de onze da noite, quando enfim eu encontrei alguma coisa produtiva no diário. Eu já tinha muito tempo lendo, sem encontrar nada que servisse pra descobrir onde Bárbara poderia estar e se ela havia mesmo sido sequestrada. Então, numa página que eu julgaria comum, alguma coisa me chamou atenção.


Quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Hoje cedo consegui ouvir alguma coisa na extensão de telefone que improvisei aqui no quarto. Parecia que meu pai estava discutindo com alguém, considerei isso uma coisa importante e tomei o telefone. Ouvi alguma coisa parecida com “Você sabe, eu não posso manter esse negócio, tenho uma família pra cuidar” e “Você é o nosso melhor administrador. Se não puder permanecer no negócio, sabe que vão tentar te apagar. Eu não quero que isso aconteça.”. Meu pai respondeu “Eu tenho um exemplo a dar, tenho uma filha pra terminar de criar, não vou entregar vocês” e “Você sabe demais Paulo. Tenha cuidado e pense bastante.”

Assumo, eu tive medo. Desde que comecei a desconfiar do meu pai, descobri muito pouco além das notas fiscais com valores maiores que o normal. Ao que me parece, ele está envolvido num esquema com uma empresa maior, que consegue contratos com o governo contanto que a empresa que meu pai trabalha superfature o material nas planilhas de orçamento. Mas, eu acho que vai além disso. Meu pai deve estar conseguindo alguma coisa por fora, porque não é possível que ele prospere assim tão fácil em tão pouco tempo. Já conhecemos Paris, mudamos de casa, ele comprou vários móveis novos e disse que vai casar com Lilian. Eu acho tudo muito estranho. Parece que ele já conseguiu o que queria, não sei, desistir assim.

Pra mim é uma vergonha enorme saber que meu pai está sendo corrupto. Mas eu nem sequer posso dizer a ele que sei de tudo.


Sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Eu acho que meu pai encerrou a aliança dele com o crime. Sei que esse modo de falar é dramático, mas é assim que eu me sinto. Ele estava roubando. Que exemplo podia me dar? Ele se demitiu. Agora, estou com medo do que podem fazer a ele. Aquela ligação não me sai da cabeça. “Vão tentar te apagar...” Eu já não tenho mãe, vou perder o resto de pai que me sobrou? Penso também em Lilian. Apesar de não me dar tão bem com ela, parece que ela e meu pai se gostam mesmo. Se ele morrer, acho que ela fica louca. Não quero pensar nisso.


Segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Meu pai e Lilian terminaram o namoro. De acordo com ele, as coisas já não estavam dando certo fazia um tempo e ele pediu pra terminar. Ele me falou que ela era muito ciumenta, que ele não podia respirar direito. Mas eu, sinceramente, não acredito nessa história. Acho que tem alguma outra coisa por trás. Ele disse que vamos voltar pra a casa antiga porque não está podendo manter a casa nova. Disse que vai vender essa casa e guardar o dinheiro pra mim, numa poupança e vai trocar o carro por um mais econômico e pegar o dinheiro que sobrar e investir nos meus estudos.

É interessante a queda. Ainda não tinha me acostumado com as regalias da nova casa, sempre achei que podíamos voltar para o lugar de onde tínhamos vindo. Mas, de certo modo, tenho a impressão de que ele está tomando medidas de precaução pra se por acaso acontecer alguma coisa com ele eu ficar segura pelo menos até poder trabalhar. Estou com medo.


Terça-feira, 17 de novembro de 2009

Hoje meu pai me chamou pra conversar. Pediu desculpas pelos últimos meses, por não estar tão presente. Disse que conseguiu emprego numa firma menor, que o salário pode não ser tão bom mas que vai dar pra nos sustentar.

Ele estava falando com um ar distante. Estou achando que ele está magro e abatido. Pelo que observo, ele não tem dormido direito e recebe muitas ligações no celular. Não tenho como saber o que elas dizem, mas estou certa de que não são coisas boas. Acho que ele sente falta de Lilian. Ela ligou aqui pra casa várias vezes hoje, mas ele pediu pra dizer que não estava. Estou totalmente perdida.


Quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Estou com medo. Meu pai me mandou passar uns dias na casa da minha vó, enquanto ele viaja pra resolver alguns problemas. Eu posso imaginar quais são os problemas. Mas não posso resolver. Eu não sei o que fazer pra proteger meu pai do monstro que ele mesmo criou. Eu não sei nem como me proteger.

Sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Estou na casa da minha vó. Ela é muito ótima comigo, mas também não está entendendo nem acreditando muito nessa história de viagem do meu pai. Sem estar em casa, não tenho como vasculhar outras coisas e descobrir mais o que está acontecendo.

Hoje observei um carro parado na porta da escola. O homem que estava encostado parecia me observar. O carro era preto, com vidros escuros, o homem estava vestido formalmente. Ele estava ao telefone.

Talvez eu esteja ficando paranóica e ache que todo mundo está atrás de mim. Mas eu penso em "vão te apagar", qualquer pessoa estranha pode ser o inimigo.


Sábado, 21 de novembro de 2009

Hoje Carolina esteve aqui. Ela é a prima que eu mais confio, aproveitei pra contar tudo que venho pensando. Ela é uma menina inteligente, talvez saiba como me ajudar de alguma forma.

Pelo menos se eu sumir, alguém vai poder testemunhar.


Segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Eu vi o carro outra vez. E o mesmo homem. Não sei se devo falar com Felipe sobre isso. Confio nele, mas acho que é preocupá-lo demais. Ele tem seus problemas, tem sua vida. Ele não é um solitário, como eu. Ele tem uma família completa, tem irmãos. Acho que falar sobre isso é estressar alguém que não merece ser estressado. Escrever é minha melhor forma de desabafar.

Voltei pra casa hoje, e meu pai parecia mais feliz. Perguntei a ele se tinha alguma novidade, ele me disse que voltou com Lilian. Mesmo sendo estranha, ela faz bem a ele. EStou começando a aceitar melhor a união dos dois.

Nossa mudança de volta está marcada para o próximo fim de semana. Espero que meu pai não descubra o ponto de telefone escondido no meu quarto. Se isso acontecer, perco todas as possibilidades de descobrir alguma outra coisa.


Quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Meu pai adiantou a mudança. Eu saí de uma casa de tarde e voltei pra outra de noite. Ele foi me buscar de carro à noite e nós pegamos outra rota. Perguntei pra onde íamos ele disse "pra casa". Estranhei. E aí vi que entramos na mesma rua de sempre, na mesma casa.

Estava tudo aceso. Lilian e Lucas estavam lá, com um monte de caixas, uma mesa improvisada no chão, pães quetinhos, suco. Foi um fim de noite divertido, mesmo dormindo no colchão jogado no chão do quarto. Me senti mais segura.


Quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Hoje eu dei um jeito de reativar a minha extensão do telefone. Mesmo estando bem melhor aqui, não posso relaxar. O carro apareceu outras vezes na frente da escola, mas meu pai tem me buscado sempre. Acho que eles estão esperando uma oportunidade.


Bárbara me esclareceu um monte de coisas. Eu já sabia que mais alguém tinha informações sobre essa história. Já sabia que ela estava sendo seguida. E, cada vez mais, o diário me deixava preso.

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