O LIVRO de Bárbara #11

Terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Essa é a última semana de aula. Faltam exatamente três dias para o fim de tudo. Está um clima estranho na turma, como se não fosse acabar por agora. Na sexta-feira estão pretendendo fazer um amigo secreto. Meu pai me incentivou a participar, e eu tirei o nome de uma colega que eu nem falo direito: Júlia. Bem, eu não falo direito com quase ninguém naquela sala. Passei a manhã toda pensando em alguma coisa útil pra dar de presente a ela. Já vi que ela gosta muito de Harry Potter, mas ela deve ter todos os livros. Seria muito ridículo dar uma fantasia a ela. Sei lá, acho que vou comprar uma agenda.

Preferia ter tirado Felipe, óbvio. Mesmo que não saiba demais sobre suas preferências, sei que ele gosta de música, principalmente rock internacional. Talvez um cd do The Killers não fizesse mal. Mas ele não é meu amigo secreto, nem adianta ficar pensando muito nisso. E cd todo mundo baixa agora, é um gasto desnecessário. Mesmo assim, vou amadurecer a ideia.

Quarta-feira, 09 de dezembro de 2009

Saí hoje de manhã pra comprar um presente pra Júlia. Acabei comprando mesmo a agenda, e uma caneta em forma de varinha. Talvez ela goste. E comprei um DVD do Coldplay pra Felipe. Eu sei que ele vai gostar. Está tudo embalado, na sexta-feira eu entrego.

Sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Amigo secreto sempre é uma ocasião constrangedora. Pessoas que não têm nada a ver uma com a outra acabam se tirando, é um horror. Mas parece que houve uma máfia na minha sala. Muita gente deu presente ao seu melhor amigo ou namorado. E quem me tirou foi um menino estressadinho chamado Marcelo. Ele me deu uma blusa de presente. É, bonitinha. Júlia gostou muito do presente, ficou acendendo mil vezes o lado da caneta que era varinha. Talvez ela tenha gostado mais da caneta do que da agenda.

Eu dei o dvd a Felipe. Ele gostou tanto que me abraçou pra agradecer. Eu fiquei sem graça, mas gostei. Na verdade, gostei mais do que fiquei sem graça. Por mais incrível que pareça, ele também me trouxe um presente. Um cartão de natal e uma caixa preta, com lacinho. Achei interessante. Dentro da caixa havia um livro, "A menina que roubava livros". Achei interessante o título. Ele me disse que era bom. Vou começar a ler. Talvez seja um bom programa de férias...


Encontrar esse presente pra Bárbara não foi coisa fácil. Na verdade, eu pedi sugestões aos meus amigos, principalmente Tati. As sugestões antes dela foram péssimas:

- Dá um cachorrinho de pelúcia. Meninas amam pelúcia. - Eric sugeriu
- Talvez ela goste de camisas de banda - Daniel falou.
- Leva ela pra passear, compra flores e dá um garro nela depois, garanhão! - Bruno disse. Péssimo pensar que ela disse no diário que ele era "fofinho". Ele não tinha nada de fofinho.
- Você pode dar um cd. Aliás, vc precisa mesmo dar um presente? - Gabriel perguntou
- Dá um livro de presente. Eu acho que ela vai gostar. - Tati disse
- Que livro? - Eu perguntei.
- Dá Crepúsculo, todas a meninas gostam de Crepúsculo agora. - Daniel sugeriu.
- Menos Bárbara. - Eu falei. Eu sabia que ela nunca tinha nem lido.
- Tenho um livro aqui em casa, você lê, se gostar compra pra ela. - Tati falou

Daí, Tati me emprestou esse livro, que eu gostei e achei que Bárbara também poderia gostar. Mas entregar o presente foi o mais estranho. Depois do amigo secreto, nos sentamos na praça da escola, esperando o horário de Bárbara ir pra casa. Já fazia um tempo que eu só ia embora depois que ela ia. Mas eu tinha que entregar o presente antes que ela fosse embora.

- Trouxe uma coisa pra você - eu disse. - Não sei onde você vai ficar nas férias, mas talvez seja útil pra te ocupar um pouco.
- Engraçado, também te trouxe um presente. - ela disse e sorriu.
- Que legal. Se a gente tivesse combinado não daria certo. Me mostra o seu primeiro.
- Aqui está. - ela tirou um embrulho da bolsa - Espero que você goste.
- Obrigado - eu falei, enquanto abria o presente. Vi a capa do dvd do Coldplay: Live in Tokyo. - Nossa... Que legal! Muito obrigado mesmo! - Eu tomei coragem e abracei Bárbara. Na verdade, nem foi uma questão de coragem, foi uma questão de impulso. Parecia que ela tinha advinhado que eu queria demais esse dvd. E foi bom.
- Por nada. - ela respondeu, claramente sem graça. Bárbara ficava vermelha de vez em quando - E o meu presente? - ela perguntou
- Não sei se você vai gostar tanto, mas eu li e achei que você iria gostar.
- Um livro?
- Abra - entreguei a caixa, também escolhida por Tati - Espero que goste.
- "A menina que roubava livros"... - ela leu o título e virou - narrado pela morte?
- Nada de tão espetacular nesse fato. Você até esquece que é a morte.
- Mas eu acho que vou gostar justamente por isso...
- Você tem um ar tão psicopata às vezes. - eu refleti.
- Obrigada. - Eu sorri - Não pelo "psicopata", pelo livro.
- Não há de quê. Espero que goste.

Ficou um silêncio estranho entre nós depois disso. Como eu não gosto muito de silêncio, voltei a falar.

- Onde você vai passar as férias?
- Na casa da minha avó.
- Humm, legal. Tem muitos primos lá?
- Alguns.
- Na minha família tem muita gente. Visitar meus avós nas férias significa que vou ver uma galerona.
- Eu tenho poucos tios por parte de pai. E meus primos são bem mais velhos que eu.

A gente ficou conversando sobre família. Foi bom, eu conheci um pouco mais sobre Bárbara. Até aquele momento, só sabia que ela não tinha irmãos e que tinha perdido a mãe. Eu já achava isso muito dolorido. Talvez por isso eu entendesse aquele eterno silêncio dela com outros, mesmo que não gostasse muito. Talvez aquela fosse a maneira dela de pensar sobre as coisas, de meditar. Eu nunca fui muito de meditar. Seria bom aprender aquilo com ela.


Sábado, 12 de dezembro de 2009

Hoje eu fui pra a casa da minha avó Zélia. Ela sabe que eu fico um pouco deslocada de passar os dias lá, então inventou que iríamos para a casa da praia. Achei boa ideia, preciso mesmo pegar uma cor. Talvez seja uma maneira de não ser vigiada o tempo todo. Mas, de qualquer modo, avó também é vigilância, eu sempre stou debaixo do olho de alguém. Isso que me faz sentir falta da escola: como eu me torno desimportante com tanta gente igual a mim, como a vigilância acaba enquanto estou dentro dos portões e como eu gosto de estar com Felipe.

Domingo, 13 de dezembro de 2009

Nós estamos na casa da praia. Aqui tem uma paz tranquilizadora. Minha avó gosta de ouvir músicas românticas que fizeram sucesso entre setenta e oitenta. Aquelas que repetem bastante na rádio. Um dos meus primos fez pra ela um cd de mp3, a gente ouve o dia todo. É legal, até gosto das músicas. Ela cozinha cantarolando, meu avô fica deitado na rede em frente à rua de areia. É um bom lugar pra se estar.

Minha tia Rita está aqui também. Como meu pai é o filho mais novo de uma safra temporã, todas as minhas tias já tem de cinquenta anos pra lá. Então, os filhos delas são bem mais velhos, alguns até já tem filhos. Minha tia Rita é professora, o marido e os filhos estão trabalhando, ela veio ficar com a gente nas férias.

Eu devo voltar pra casa no fim de semana. Vou falar com meu pai sobre a possibilidade de ficar com minha avó Marisa.

Terça- feira, 15 de dezembro de 2009

Meu pai veio me trazer na casa de minha avó Marisa. Carolina está aqui também, passando as férias comigo, estamos olhando as últimas coisas que escrevi no diário. Talvez seja uma maneira de juntar as peças e tentar descobrir o que realmente está se passando. Ainda tenho medo do que pode acontecer.


A essa altura, eu já estava no mesmo ritmo que ela: tentando juntar as peças. Até agora nada é verdade absoluta e parecia que quanto mais eu lia o diário menos certeza eu tinha. Eu já estava começando a duvidar daquele sequestro. Resolvi dormir para espairecer um pouco e ver se o sono me dava a chave para a solução do problema.

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