O LIVRO de Bárbara #12

Era um lugar escuro e inóspito, cheio de árvores. Chovia, e o caminho de lama fazia meus pés grudarem. Uma casa escondida entre as árvores tinha uma luz forte, que atravessava a escuridão da noite. Eu sabia que precisava entrar lá, para salvá-la. Meu tempo era curto. Eu não tinha armas, somente o diário na mão. Ainda não tinha conseguido entender tudo, mas já tinha uma breve noção de onde era o cativeiro. Ouvia seus gritos ecoarem enquanto eu chegava mais perto. Tentei correr, ainda que minhas botas me prendessem ao chão. O tempo era muito curto. Meu relógio apontava para 23:45. Sua execução estava marcada para meia-noite.

O quarto onde ela estava presa ficava na parte mais alta da casa. Perdi tempo demais tentando entrar, então precisava encontrar logo o quarto certo. Um corredor imenso se estendia na minha frente, com cerca de dez portas. As luzes estavam acesas em algumas delas, onde eu invadi primeiro. Só faltavam duas portas. Um guarda passou no corredor, fazendo com que eu perdesse mais tempo escondido em um dos quartos até que o som de seus passos estivesse longe o suficiente. Olhei novamente o relógio; eu só tinha mais dois minutos.

Abri a penúltima porta: lá estava ela, descabelada, suja, amarrada e amordaçada, mas ainda assim linda como eu nunca tinha visto. O suor escorria pelo seu rosto, o cabelo negro colando na testa. Os olhos castanhos se viraram para mim e eu pude perceber o alívio que ela sentia em me ver.

-Bárbara! – Eu gritei, e corri o mais rápido que pude para libertá-la.

Uma faca no chão do outro lado do quarto parecia estar me esperando. Peguei e comecei a cortar as algemas plásticas que lhe prendiam os braços. De repente, a expressão de alívio de Bárbara se transformava em pavor.

-Calma, vou te tirar daqui. – Eu disse, enquanto tirava a mordaça.

- Não Felipe! – Ela berrou com todas as forças, e um estampido seguiu o som de sua voz. Só consegui entender quando os olhos castanhos perderam o brilho e o sangue, vermelho e brilhante, jorrava de sua cabeça.

- Bárbara! Bárbara! – Eu não sabia de onde tinha vindo a bala, não conseguia acreditar que ela estava morta. – Bárbara! Acorde! – Eu a sacudia, como se pudesse fazê-la voltar à vida. – Por favor, Bárbara, não!

O ar ficou difícil de respirar, e as lágrimas quentes escorriam desesperadas em meu rosto. Eu gritava seu nome com toda força, mas ela não podia mais responder. O choro me sufocava, e quanto mais eu gritava, menos eu conseguia respirar. Perdi totalmente a voz, e um aperto no peito me trouxe à realidade.

Esfreguei os olhos e me surpreendi por não estar chorando de verdade. Mal conseguia respirar. Meu coração acelerado me fazia tremer, ao passo que a cama parecia pequena demais. Me sentei e olhei o relógio na parede do quarto: 8:37.

Eu tinha que descobrir logo o que estava acontecendo, ou não conseguiria dormir nunca mais. Era o segundo dia desde que eu tinha começado a ler o diário, que agora parecia longo e enigmático demais. Eu não podia deixar Bárbara morrer.

Pensei em procurar no diário o número de alguém conhecido. Não tinha. Pensei em ligar pra Carolina, o que exigia que eu falasse com Paulo, pai de Bárbara, pra conseguir o número. Voltei a folhear desesperado o diário. Nada. Como eu poderia encontrar Bárbara daquele jeito?

Folheando o diário, encontrei uma página dobrada.

Sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Descobri tudo. Todas as coisas que tenho suspeitado não têm nada a ver. Tudo escrito num e-mail resposta endereçado a Lilian. Primeiro, é importante explicar o porquê desse e-mail.

Lilian escreveu um e-mail ao meu pai exigindo saber o que o estava deixando tão preocupado que ele não podia contar. Ela ameaçou terminar com ele já que ele não confiava nela, etc, etc.

Desesperado, ele contou que, há mais de um ano foi pressionado a entrar num esquema de desvio de verbas da Lago para uma construtora maior, chamada Correia e Castro. Sua função era administrar secretamente as finanças, emitir notas frias e esconder burocraticamente qualquer falcatrua que surgisse numa obra de interesse político. Inicialmente ele recusou, dizendo que não estava interessado no serviço, mas foi ameaçado de perder o emprego e qualquer perspectiva posterior de trabalho se recusasse a proposta. Porém, se aceitasse ganharia uma promoção e um aumento astronômico.

Sem poder recusar, começou a trabalhar no esquema. As coisas iam bem, ele acabou sendo promovido, mas, por se tratar de uma obra do governo, a Correia e Castro começou a ser investigada. Pra disfarçar a situação, ele teve uma diminuição brusca no salário e começou a trabalhar de fachada para uma empresa sócia da Lago. Graças ao seu histórico de honestidade, meu pai foi apontado como o dedo duro. Ele teve uma segunda chance, que resolveu não aceitar. Então, começou a receber ameaças de morte da Correia e Castro e proteção da Lago; proteção essa que me incluía. Ele sabia demais.

Nesse meio tempo, me manteve afastada com minha avó na casa de praia e terminou o relacionamento com Lilian, enquanto resolvia os negócios com as duas empresas. Quando achou que estava tudo bem, reatou com Lilian e me trouxe de volta. O grande problema era que ele continuava vigiado, e resolveu não envolver mais ninguém na história, afinal de contas não podia sequer avisar a polícia. Agora está morrendo de medo do que pode acontecer com a gente.

O problema é que “ser apagado” não é uma coisa difícil.

Ou seja, a possibilidade do seqüestro ser uma realidade era enorme.

Ainda que Bárbara tivesse sido seqüestrada, eu não tinha como encontrá-la somente com o diário. E isso devia ser uma coisa bastante recente. Recente o suficiente pra ela conseguir me deixar o diário.

Então, o celular em cima da escrivaninha vibrou. Chegou uma mensagem de texto.

“RUA DAS CEREJEIRAS, N. 13.”

Até onde eu sabia, a Rua das Cerejeiras ficava numa região perigosa da cidade. Podia muito bem servir como cativeiro para alguém. Mas antes de tomar qualquer decisão, eu precisava informar o seqüestro de Bárbara à polícia. Ou ao menos tentar falar com ela alguma vez.

Tentei o celular novamente. Se ela tivesse chegado em casa, teria carregado o celular. Dessa vez, nem sequer chamou. Este número está desligado ou fora da área de serviço. Liguei pra a casa dela. Seu Paulo atendeu.

- Mãe? – Ele devia estar esperando a ligação. Sua voz estava apreensiva – Alguma notícia?

- Seu Paulo, aqui é Felipe. Desculpa se estou ligando cedo demais, mas eu precisava falar com Bárbara, urgentemente. O senhor pode me dar o número da casa da tia dela?

- Felipe, eu também preciso falar com Bárbara. Ninguém sabe onde ela está, nem mesmo a tia dela. Estou entrando em desespero.

- Ela não ligou ontem à noite?

- Sim, tinha dito que estava na casa da tia, mas a tia dela me ligou ontem um pouco mais tarde e disse que ela não tinha chegado. Por acaso você não tem nenhuma ideia de onde ela pode estar?

- Seu Paulo, acho que ela foi seqüestrada.

- Também já comecei a pensar nessa hipótese.

- Na verdade, tenho certeza disso.

- Certeza?

- Ela me falou.

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