O LIVRO de Bárbara #14

O domingo inteiro passou e parecia que o último vestígio da existência de Bárbara era o diário. A polícia não descobriu nada além do garoto no posto de gasolina. Fui obrigado a voltar pra casa e explicar aos meus pais o que realmente estava acontecendo.

-Sequestrada? Como assim, "sequestrada"? Quando? - Minha mãe, abismada, me enchia de perguntas e aumentava cada vez mais o tom da voz.
-Felipe, você podia ter avisado antes! A gente podia ter ajudado o pai dela, é um momento de tensão tão grande! - Reclamou meu pai - Aliás, Camila, por favor, seja mais discreta pra Sofia não se meter onde também não deve.
-Acho que vocês ajudariam muito pouco. Tem policiais na casa, familiares, um monte de gente esperando outra ligação dos sequestradores. Todo mundo fica preocupado, mas acho que ficar lá não ajuda.
- Você está certo, Felipe. Nessas horas a gente precisa ser racional, ou vamos atrapalhar todo mundo. - Meu pai concordou.
- Acho que não vou conseguir dormir. Bem, de qualquer modo, vou tentar descansar um pouco, espairecer.

Tomei um banho e me tranquei no quarto. Antes de ir à casa de Bárbara, tomei o cuidado de escanear página por página do diário. Ele tinha ficado nas mãos dos policiais, como prova ou sei lá o que. Mas eu tinha a minha cópia. Ler poderia me dar forças. Sem sono, comecei a pensar em mil maneiras para encontrar Bárbara.

Fugir à noite, ir até a cidade onde ficava o posto, procurar informações, tudo parecia muito bom mas pouco prático. Sair de madrugada não ajudaria muito, eu precisaria pegar um táxi até a rodoviária e os dez reais guardados na minha caixa não seriam suficientes. Eu sabia que o primeiro ônibus saía às 4:30 da manhã, o trânsito era livre, eu chegaria bem rápido. O problema era que eu não tinha dinheiro. E eu não queria ir sozinho.

Abri o armário, peguei uma mochila e fui colocando tudo que achei que poderia ser fundamental: uma muda de roupas, escova de dentes, lanterna, o canivete que meu pai meu deu quando eu tinha dez anos - com certeza não usaria, mas era sempre bom me precaver. Alguém bateu na porta do meu quarto.

- Felipe, está tudo bem?
- Sim mãe, estou tentando dormir.
- Então está bem. Qualquer coisa, estou no quarto.

Esse era mais um desafio a vencer: sair de casa sem ser notado por minha mãe. Sem querer pensar nisso, mandei uma mensagem para o Celular de Carolina. VAMOS ENCONTRAR BÁRBARA. Alguns minutos depois chegou uma resposta: COMO?
- ENCONTRE COMIGO NA RODOVIÁRIA, ÀS CINCO.
- CINCO DA MANHÃ? FICOU DOIDO?
- VAI OU NÃO VAI?
- NÃO PODE ME LIGAR?
- MINHA MÃE OUVIRIA. PODE ENTRAR NO MSN?

Ela me mandou o e-mail e algum tempo depois planejávamos a "operação de resgate".

- Onde você pretende ir? - Ela me perguntou
- À cidade onde fica o posto de gasolina.
- E de lá?
- Eu não sei, podemos descobrir algo novo.
- A polícia não descobriu.
- Talvez a gente consiga.
- Não esqueça, são 70 km.
- Pelos meus cálculos, a gente chega lá no máximo 6:30h, dependendo do ônibus.
- Não acho uma boa ideia.
- De qualquer modo, vou te esperar na biblioteca às 5:00h.
- Está bem, vou tentar sair de casa.

Imprimi algumas páginas que faltavam pra que eu terminasse de ler o diário. Me forcei a dormir depois da conversa. Coloquei o celular em vibracall e programei o despertador para 3:30h. Quando enfim consegui dormir, o celular vibrou debaixo do travesseiro. Levantei e vesti uma calça e um casaco, porque o tempo estava frio demais pra sair sem agasalho. Como já tinha visto milhares de vezes nos filmes, arrumei uma colcha debaixo do lençol pra, se por acaso minha mãe resolvesse me checar, achasse que eu estava na cama. Tirei o celular do carregador e joguei os dois na mochila.

Continuava tendo só dez reais, então lembrei que minha mãe guardava um dinheiro para emergências. Ficava guardado no quarto; entrar e mexer nas gavetas de madrugada seria muito suspeito. Descalço, destranquei devagar a porta do quarto. Segurando os tênis e a mochila com uma mão, tentei fechar a porta sem fazer barulho. Desci a escada praticamente na ponta dos pés. Não acendi nenhuma lâmpada e fui à cozinha buscar biscoitos e água para levar. Então, vi a solução para meu problema financeiro: a carteira do meu pai em cima da estante da sala.

Na minha cabeça, duas vozes se confundiam, uma a favor e outra contra o que eu estava pensando em fazer. "Isso é roubo. Você não pode fazer isso" dizia uma e a outra justificava "É por uma causa nobre". Abri a carteira. Tinha quatro notas de cinquenta e três de vinte. Duzentos e sessenta. "Mais que suficiente", pensei. Peguei o dinheiro e coloquei no bolso.

- Desculpa, pai - sussurrei.

Coloquei a carteira no lugar e procurei o bloco de notas que ficava ao lado do telefone. Enquanto pensava no que escrever, ouvi um barulho no andar de cima. Fiquei imóvel por uns instantes, tentando descobrir aonde a pessoa estava indo. Passos no corredor, parou, uma porta foi aberta, silêncio, passos novamente, outra porta. Era minha mãe, com certeza. Ela continuou andando em direção à escada. Maldita mania de beber água de madrugada. Catei o tênis e a mochila e corri cautelosamente para o banheiro. "Por favor, beba água e suba, por favor" eu implorava mentalmente.

Ela desceu as escadas, acendeu a lâmpada, bebeu água e veio caminhando em direção ao banheiro. A porta estava entreaberta - não fechei direito pra evitar o barulho - eu estava escondido atrás. O que minha mãe diria se me visse no banheiro, de madrugada, descalço e pronto pra sair? Eu fingiria ser sonâmbulo.

"Por favor, vire e suba a escada, por favor" continuei implorando. Ela parou na porta do banheiro.

- Não sei por que deixam essas portas abertas... - Ela fechou a porta e foi embora.

"Ufa", foi meu primeiro pensamento. Ainda bem que aquilo era só uma demonstração de suas manias esquisitas de sempre fechar todas as portas. Ela se foi e eu fui relaxando ao ver, pela fresta entre a porta e a parede, sua silhueta se afastando lentamente. Olhei o relógio, 4:00h da manhã.

Voltei para a sala, retomei o bloco de notas e comecei a escrever um bilhete de explicação para meus pais. A janela da sala revelava, por trás das cortinas, os poucos carros que circulavam.

"Pai, me desculpe por pegar o dinheiro na sua carteira. Eu sei que isso é roubo, mas eu preciso ajudar Bárbara. Mãe, você deve ter achado que eu estou maluco. Prometo que volto em alguns dias. Vou dar notícias. Amo vocês."

Deixei o bilhete perto da carteira e voltei a observar a janela. Peguei meu chaveiro e, cuidadosamente, fui tirando a chave principal. Era essencial não fazer barulho. Calcei os pés, coloquei a mochila no braço, abri a porta e saí. O frio da noite me envolveu e fui andando até o ponto de ônibus. Um número grande de pessoas estava no ponto, coisa que eu não imaginava que acontecesse tão cedo. Sim, as pessoas saíam às quatro da madrugada.

Peguei o ônibus para a rodoviária, totalmente inseguro com o que estava fazendo. Quando meus pais acordassem, o que iam pensar? Como iam reagir? Será que eu estava dando uma preocupação desnecessária? Será que essa era a melhor escolha? Eu não deveria ficar em casa esperando a polícia descobrir? E se Bárbara morresse? E se Bárbara morresse...

Cheguei na rodoviária às 4:45h, comprei uma passagem para um ônibus que saía 5:30. Esperei Carolina chegar até 5:15. Quando estava me dirigindo ao portão de embarque, meu celular vibrou no bolso. Carolina.

- Cadê você? Tenho 25 minutos aqui! - Ela perguntou
- Estou no portão de embarque número 3. Meu ônibus sai 5:30.
- Eu não comprei a passagem!
- Tudo bem, onde você está?

Ela me explicou onde estava esperando, compramos a passagem e corremos para embarcar no ônibus. Carolina parecia tão preocupada e duvidosa quanto eu. Tentei relaxar lendo as páginas do diário que eu havia imprimido.

Então, palavras escritas dias antes da entrega do diário me fizeram pensar no que Bárbara realmente queria.


Segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Fiquei pensando em quantas pessoas se importariam se eu sumisse ou morresse. Quantas pessoas me procurariam, quantas delas desejariam a minha volta? Ainda me preocupo bastante com o problema de meu pai e a empresa. Aparentemente está tudo muito bem, mas parece a melhora significativa que todo doente sem esperanças tem antes de morrer. Continuo sendo vigiada, mas meu pai não deixa de me levar ou buscar em lugar nenhum. E Felipe? Será que ele iria atrás de mim? Será que se importaria?


Sim, eu me importava. Procurá-la era a melhor maneira de provar isso.

Comentários

  1. Raaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaach

    '-'

    isso foi um oi

    kissu =***

    ah sim, no aguardo do 15

    but no stress ^^

    eu espero o tempo que for xD

    amut(h)i

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