As voltas que o mundo dá - Capítulo 10

João foi bastante apreensivo pra escola na quarta, depois do feriado. Imaginou que seria retaliado, xingado, ridicularizado e tudo de ruim que conseguiu pensar que aconteceria verbalmente.

Chegou cedo, como de costume, mas parecia que Carol tinha se atrasado de propósito. Sentou-se no mesmo lugar de todos os dias e a cadeira ao lado dele estava vaga, onde ela deveria se sentar. Mais de vinte minutos depois do início da aula, Carol chegou, tímida, e se sentou. Dessa vez não na cadeira de costume, mas numa cadeira próxima da porta. Então, João começou a ficar paranoico.

- Nem na cadeira do meu lado ela quer mais sentar. Eu sou um idiota. Já tinha pouco, joguei fora o que tinha. - Ele pensava, perdendo totalmente a concentração na aula. - O que será que ela achou? Será que ela leu? Deve ter lido, por isso está sentada lá no fundo. Vou ficar quieto. Se ela tocar no assunto eu me justifico.

E assim passou a primeira aula, o intervalo, as últimas aulas e o dia ia ficando mais tenso. Carol tinha tratado João da mesma maneira de sempre. Até mesmo mudou de lugar depois que acabou o primeiro horário e se sentou no lugar de sempre. João não sabia o que pensar, muito menos o que dizer.

Cada minuto do dia se tornava uma tortura chinesa. Sim, aquela da gotinha de água caindo na testa até você ficar maluco. João se questionava se tinha feito a coisa certa, se a amizade entre ele e Carol ia deixar de existir por causa de uma música infeliz, ou melhor, de um e-mail infeliz. E o que tinha mais medo não era de dar errado. Por essa situação ele já tinha passado. O medo mesmo era dar certo. E se ela gostasse dele também? Mas não era o que aparentava. Então, por que ele enviou o e-mail? O que tinha dado na cabeça dele, curto-circuito?

O grande problema na vida de João era que nem tudo podia ser resolvido com uma equação matemática. Não havia fórmulas para controlar sobre os seus atos. A ordem dos fatores acabaria sim alterando o produto. Não existiam leis que regessem a atração entre duas pessoas como existem leis da física que definem a atração entre dois corpos. Um pólo negativo não necessariamente atrairia um positivo. 1+1 nem sempre era dois. E aquela falta de certeza afetava muito a cabeça dele.

Então, no final do dia Carol tocou no assunto.

- João, antes de ir embora, quero falar com você. - Ele ficou gelado. Sabia que ela iria falar do e-mail. E não sabia o que devia responder.
- Tá, tudo bem.

Se ele nunca tinha tido coragem de falar cara-a-cara com Carol sobre o que estava sentindo e também não tocaria no assunto do e-mail, talvez a própria Carol precisasse tomar as rédeas do assunto. Eu particularmente acho que, se um cara dá indícios de que gosta de você e você também gosta dele, espere o quanto der. Quando não der mais pra esperar porque ele continua sem coragem vá lá e fale. Foi mais ou menos o que aconteceu nessa história.

- A gente pode se sentar na quadra pra conversar, acho que é um lugar mais sossegado que a praça - Ele disse.
- Tudo bem.

Os dois foram caminhando em silêncio em direção à quadra. João tentava formular respostas. Na verdade, ele pensava em muitas coisas quando não estava de frente pra Carol, mas a mente dava um branco radiante quando ela aparecia. Ele tinha um discurso todo pronto hoje de manhã. O discurso estava bem gravado até o início da tarde, quando ela apareceu na sala.

As mãos de João estavam extremamente suadas. Ele andava tentando parecer não se importar, mas seus joelhos começaram a bater. Naquele momento, ele desejou chegar logo na quadra pra ver se sentado aquilo passaria.

Sentaram-se na arquibancada, um ao lado do outro. Alguns garotos jogavam bola, mas não tinha ninguém que ele conhecesse. Pelo menos isso tinha dado certo.

- João, sobre aquele e-mail que você me escreveu... - A boca dele secou - O que você quis dizer?
- É... - As palavras tinham sumido. Na verdade, todo o vocabulário dele tinha desaparecido. Por onde começar? As frases estavam todas embaralhadas. - Bem...
- Eu vou esperar você me dar uma resposta, nem que a gente saia daqui meia-noite. - Aquela frase assumiu um tom ameaçador. E ele perdeu mais ainda o fio da meada.
- Que e-mail? - Ele perguntou, se fazendo de desentendido.
- O que você me mandou ontem à noite, João. - O que ele poderia responder? "Ah, mandei pro seu e-mail por engano, era pra outra menina que estava no churrasco."
- Com a música?
- Sim. O que você quis dizer com a música?
- O que a música diz. Só isso.
- Tipo, "quero casar com alguém igual a você"? - Ela perguntou, ainda séria. - Tá de brincadeira comigo?
- Não.
- Então o que você queria com esse e-mail afinal?
- Eu realmente não sei.
- Você tinha que ter algum objetivo João. Não se manda um e-mail daqueles pra alguém por acaso.
- Carol, dá pra você ser menos ríspida?
- Eu só estou meio surpresa com isso. Quero dizer, com você escrevendo isso.
- Porque você já sabe que eu gosto de você.
- Mais ou menos. Todo mundo comenta.
- Carol, é mais do que o que todo mundo comenta. - João respirou fundo. Ficou um momento em silêncio olhando pro chão enquanto ela o encarava com os olhos sérios.
- Então, o que é?
- Eu adoro o seu sorriso. Adoro a maneira que você olha pras pessoas, como você consegue ser doce e rude ao mesmo tempo, como você consegue ser forte e frágil ao mesmo tempo, a maneira que seu o nariz fica quando você ri - Ele parou e sorriu - Eu acho isso engraçado. Eu gosto da sua conversa, que geralmente me deixa feliz, seus os olhos negros bem penetrantes que me fazem mudar complemente o meu pensamento e esse sorriso que faz meu dia mais feliz...

E veio o silêncio novamente. Carolina estava pasma com tudo o que tinha ouvido. Ela não sabia muito bem como se comportar. Aliás, nunca tinha visto ninguém descrevê-la daquela forma. Sim, ela gostava da companhia dele. Se eles estavam sempre juntos era porque ela dava espaço pra isso. Ela sabia que ele gostava dela. Todo mundo falava disso o tempo todo. Ele sempre era gentil com ela, mesmo quando tentava ser grosseiro. E quantas vezes ela tinha negado veementemente que gostava dele! Que eles eram amigos e permaneceriam só amigos. Que não passaria disso. Por um tempo, até ela acreditou na mentira.

Ao ouvir João dizer todas essas palavras com tamanha sinceridade, a pessoa ríspida que tinha entrado na quadra se despediu. Ela se sentiu tão estranha. Deu até vontade de chorar.

- Você acha mesmo tudo isso? - Ela perguntou, já com lágrimas nos olhos.
- Acho. - Ele respondeu, sem querer encará-la. - E agora já não me importo se você não vai querer nada comigo, se acha que vamos continuar sendo só amigos. Eu não me importo com nada disso. Não vou nem esperar que você goste de mim, só falei isso porque não aguentava mais guardar. Não digo esconder, você já sabia. Eu só achei que você tinha o direito de ouvir isso de mim. Mas, por favor, não se afaste por isso. Eu não sei como é que vou aguentar aparecer aqui se você disser que vai se afastar de mim porque eu gosto de você.
- Eu não vou me afastar. - Ele levantou a cabeça e olhou pra ela. - Não vou me afastar. - Ela repetiu.
- Não?
- Não. Todo esse tempo eu só esperei ter uma conversa como essa. Só esperei que você tomasse coragem, que você falasse. Eu não queria ouvir isso da boca dos outros. Eu fiquei com muita raiva de perceber que você não confiava em mim o suficiente pra dizer o que sentia. Por isso que toda vez que alguém me perguntava se teria a possibilidade de nós ficarmos juntos eu sempre respondi com tanta convicção que não passaria de amizade. Eu tinha certeza que você nunca ia falar nada. E se você não ia falar nada, não era eu que tinha que fazer isso.
- Mas, e agora?
- Você decide. - Ela continuava séria. João se sentiu muito pressionado, tendo pela primeira vez que tomar uma decisão por ele e por mais alguém.
- Eu disse que gosto de você. Mas, você gosta de mim?
- Não dá pra não gostar de quem sente tanta coisa boa pela gente. - Ela sorriu. 

João ficou tão aliviado. Nenhuma das suas expectativas negativas tinha se concretizado. E, naquele momento, o sorriso que fazia o seu dia mais feliz fez efeito e ele ficou em êxtase. Impulsivamente, João a abraçou. Primeiro Carol se assustou, depois retribuiu o abraço com uma serenidade incrível. Ele não conseguia acreditar naquilo. O cabelo dela era tão cheiroso. Aliás, ela cheirava muito bem. E tão menor do que ele, parecia que foi feita pra ser abraçada. O mais surpreendente foi sentir um coração acelerado batendo do lado direito do peito. O que tornava impossível ser o dele.

- Carol, você quer namorar comigo, sério? - Ele perguntou, não soltando o abraço, mas olhando Carol de cima. A cabeça dela estava aninhada em seu peito e ela mantinha os olhos fechados, como se estivesse esperando pra ser ninada.
- Bem... - Ela disse, ainda sem abrir os olhos - Se tudo o que você falou que sente por mim é verdade, não tenho porque negar. - E sorriu. Ele sorriu também.

Então, segurou o rosto dela entre as mãos e admirou os olhos que tinha falado. Tão penetrantes que ele se perdia. E ela olhava fixamente pra ele. Como tinha fantasiado tantas vezes, encostou a boca na dela, e parecia que se o mundo todo explodisse atrás deles não ia fazer diferença. O que realmente importava era aquele momento. Os lábios macios encostando nos seus eram melhores do que qualquer ideia que ele pudesse ter. Afinal de contas, eram reais. 

E agora a mobília do lar que ele havia criado fazia sentido. Tinha quem podia se espalhar naquele coração por tantas vezes solitário e inseguro. As histórias de encontrar sua metade também se tornavam reais. 

E pela primeira vez eu tive certeza de que João Pedro estava completo e feliz. Como todo mundo deve ser um dia.














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